Contudo, aquilo que era para ser exceção nas administrações públicas, passou a ser regra. No lugar da honestidade, tradicionalmente o que predomina são os desvios de verbas, a malversação do dinheiro público ou a aplicação indevida dos recursos. Como prova dos inúmeros casos que confirmam essa estatística, os arquivos do TCM estão empilhados de processos e relatórios de contas irregulares, que são encaminhados ao Ministério Público para andamento das decisões. O MP, por sua vez, com base do art. 37 da Constituição Federal, parágrafo 4, recorre ao Decreto-Lei nº 201/67 para aplicar as sanções devidas aos casos e encaminhá-los ao Tribunal de Justiça para decisão.
No município de Itamaraju, no extremo-sul do estado, por exemplo, o Tribunal de Contas julgou o atual prefeito, Dílson Batista Santiago (PT), pelo pagamento excessivo de diárias durante o ano de 2007, num total de R$ 723.475,80. Segundo o parecer do relator Paolo Marconi, o pagamento "configurou numa complementação indireta de remuneração em favor dos beneficiários". No despacho, ele determinou formulação de representação ao Ministério Público e uma multa de R$ 20 mil ao gestor.
No exame do caso, o TCM verificou que 115 servidores receberam diárias ao longo o ano de 2007, cujos pagamentos se deram de maneira sistemática e, em alguns casos, continuada. No exame, o principal beneficiário com o pagamento de diárias foi o próprio prefeito de Itamaraju, que embolsou R$ 43 mil. "Todos os outros beneficiados com o pagamento das diárias eram ocupantes de cargos comissionados ou se tratavam de agentes políticos", conclui o relatório do processo referente às contas de Santiago.
Dílson Santiago também responde a uma denúncia de fraude, de julho de 2006, relativa a um convênio com o Banco Matone para garantir empréstimos consignados a amigos e servidores municipais fictícios, com valores acima do permitido. Um documento enviado à Câmara de Vereadores confirma o "esquema de fraude", com rombo avaliado em mais de R$ 1,5 milhão. Consta ainda que as contas do gestor à frente da prefeitura de Itamaraju foram rejeitadas em 1999, 2000, 2005, 2006 e 2007.
Outro caso grave detectado pela análise técnica do Tribunal de Contas aconteceu no município de Pilão Arcado, na região norte do estado, onde o ex-prefeito José Lauro Teixeira da Rocha, durante o exercício de 2004, foi acusado de ter promovido a saída de numerário das contas da prefeitura em valores superiores a R$ 1.109.376,65 sem o correspondente documento de despesa. O relator, Fernando Vita, determinou a formulação de representação ao Ministério Público, com ressarcimento ao erário municipal de R$ 1.721.039,57, devidamente corrigidos, além de multa de R$ 10 mil.
Sobre a retirada do numerário, o ex-gestor justificou ao TCM que, "a pedido dos credores, e em virtude da dificuldade de alguns deles em receber o pagamento através de cheques, pelo fato de haver uma única agência bancária no município", passou a realizar saques para quitação de diversas despesas, destacando que "apenas faltou constar do processo de pagamento o número de identificação do cheque sacado".
Por fim, o último exemplo para ilustrar a farra que os gestores municipais fazem com o dinheiro público. Em Santa Brígida, no sertão baiano, o ex-prefeito Miguel Campos foi condenado pelo TCM, à revelia, para ressarcir R$ 710 mil que foram desviados dos cofres municipais, e pagamento de multa máxima de R$ 30.852,00, além de representação encaminhada ao Ministério Público por improbidade administrativa.
As contas da prefeitura do exercício de 1996, no período de 24 de abril a 18 de dezembro, foram objeto de tomada de contas especial por técnicos do TCM, já que o ex-gestor deixou de prestar contas depois de ser afastado do cargo pela Câmara de Vereadores. "Depois de incessantes intervenções, fomos informados acerca da impossibilidade em obter os valores das receitas repassadas, pois não mais existia naquele órgão qualquer armazenamento de dados", diz o relatório do TCM.
A burocracia da Justiça e os efeitos de suas decisões
O caso Joseph Bandeira (PT), atual deputado federal e ex-prefeito de Juazeiro, é outro exemplo típico de que a burocracia da Justiça, ou as suas brechas, ajuda à impunidade. O exemplo refere-se ao período de 2001 a 2004, quando Bandeira esteve à frente da prefeitura de Juazeiro, cometendo irregularidades como, entre outras, a não contabilização de receitas no valor de R$499.997,84, que culminaram no processo do TCM Nº 07120-05. O relator, Francisco de Souza Neto, aplicou uma multa no valor de R$ 20 mil e encaminhou o processo para o Ministério Público.
Em 2005, Joseph ficou sem mandato, o que fez o processo encaminhado ao MP voltar do Tribunal de Justiça para a comarca de Juazeiro. O juiz local deu seguimento ao caso e condenou o ex-gestor por apropriação indébita. Em 2006, Bandeira ficou na suplência para a Câmara Federal, mas só assumiu em 2007 no lugar do deputado Luiz Alberto (PT-BA), adquirindo foro especial. Com isso, o processo movido contra ele foi transferido para o Supremo Tribunal Federal (STF), obedecendo ao que determina a lei.
Em função do retorno de Luiz Alberto à Câmara, Joseph Bandeira perdeu a vaga, mas reassumiu em março de 2009 no lugar do deputado Walter Pinheiro (PT). Com isso, o processo continua no STF, mas, em caso do retorno de Pinheiro à Câmara, voltará para o Tribunal de Justiça baiano por estar pendente de uma revisão de apelação.
Outro caso interessante que envolve a ação do Judiciário e membros do poder Executivo é o do prefeito do município de Ubatã, a 374 km de Salvador, Adailton Ramos Magalhães, que é contumaz quando o assunto é denúncia contra a sua administração. Em 2008, ele foi preso sob acusação de aquisição de bens e serviços não precedidos de licitação, com direcionamento dos contratados e superfaturamento, além de emissão de cheques sem fundos, envolvendo recursos da ordem de R$ 4 milhões.
De acordo com dados da época, a prisão foi feita com base no decreto expedido pelo desembargador Rubem Dário Peregrino Cunha. O prefeito foi conduzido para o pelotão da Policia Militar do município de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. A operação teve a participação da Polícia e do Grupo de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), ligado ao Ministério Público Estadual.
De acordo com o Ministério Público, Magalhães adquiria materiais diversos e contratava serviços de empresas de sua conveniência, sem respeitar os regimentos legais. À época, ele respondia por cinco ações por irregularidades administrativas, que foram encaminhadas ao Tribunal de Justiça, dentre elas uma por emissão de cheques sem fundos no valor R$ 900 mil. Nas outras ações, o prefeito é acusado de fazer aquisição de materiais sem licitações, cujo valor é de mais de R$ 3 milhões.
Em uma das denúncias oferecidas pelo Ministério Público, em 2004, o prefeito contratou empresas sem licitação, o que significou despesas correspondentes a quase R$ 2 milhões, sendo R$ 600 mil para a Jantel Estivas Ltda, uma das empresas mais beneficiadas pela gestão fraudulenta dos recursos. Em outra ação, Adailton Magalhães é acusado de contratar centenas de servidores municipais sem concurso público, em 2001, contrariando o que determina a Constituição Federal. Contudo, Adailton continua livre.
Estranho também é este caso do prefeito de Ubaitaba, Asclepíades Queiroz, conhecido como Beda (PMDB). Por uma ação ajuizada pelo Ministério Público, ele foi afastado do cargo e teve pedido de prisão preventiva decretada pelo relator Rubem Dario, que foi referendada pelo Pleno do Tribunal. Dias depois, o próprio relator concedeu liminar relaxando o pedido de prisão, o que deu margem a uma das sessões mais quentes entre todas as que já foram realizadas para julgar prefeitos. "Este Tribunal não pode agir com tibieza. Uma decisão do Pleno não pode ser revogada por uma decisão monocrática", disse um desembargador, censurando a atitude de Rubem Dário.
Rubem Dario reagiu, exigindo a retirada do termo "tibieza", argumentando que a sua decisão estava respaldada nas normas do Tribunal. Embaraçado em suas próprias regras, o Pleno deu ordem de prisão em flagrante a Beda, que estava presente na sessão. Preso e solto logo depois, Beda retornou à sua missão no município.
A luta da Justiça contra Paschoal
Quando se fala em corrupção em prefeituras baianas, o primeiro filme que vem à memória é o de São Francisco do Conde. Com uma arrecadação mensal de mais de R$ 21 milhões, o município tem o terceiro maior PIB per capita do Brasil, graças à arrecadação de royalties e impostos gerados pela Refinaria Landulpho Alves. Toda essa riqueza não chega à maior parte de seus 31 mil habitantes, que têm renda média mensal de R$ 370, já que a metade da população ganha pouco mais que meio salário-mínimo.
Aqui reside um dos maiores exemplos de contraste na relação riqueza x miséria, que está diretamente vinculada à corrupção. Dos últimos prefeitos que administraram o município - Osmar Ramos, Antônio Paschoal e Antônio Calmon, que se revezaram no cargo de 1989 a 2008 - nenhum conseguiu cravar na sua biografia a marca da integridade. Ao contrário, todos se envolveram em sucessivos escândalos, que foram fartamente denunciados pela justiça e publicados pela mídia. Como saldo dessa triste história, as contas desses gestores, durante todos os anos em que eles administraram o município de São Francisco do Conde, ou foram rejeitadas ou aprovadas com ressalvas.
Empossado no inicio de 2006 após o afastamento de Antônio Calmon (DEM), que foi cassado pela Justiça eleitoral, Antônio Pascoal (PP) cometeu uma série de irregularidades, sendo a principal delas a acusação do Ministério Público de ter desviado R$ 1,6 milhão dos cofres municipais, numa transação fraudulenta com o Hospital São Rafael. Cerca de vinte dias após assumir a prefeitura, em 22 de fevereiro de 2006, Pascoal conseguiu um instrumento de confissão de dívida assinado pelo ex-prefeito Osmar Ramos, no valor total de R$ 2.058.096,90. A suposta dívida foi paga em três parcelas de R$ 686.032,30. Além disso, a dívida foi paga com recibos forjados à Datoli Corretora de Seguros Ltda, preterindo o Hospital São Rafael, que informou ter recebido o valor de R$ 436.104,78, diferente do que foi pago efetivamente.
A denúncia do MP foi acatada pela Justiça, que determinou a prisão de Paschoal e os outros envolvidos, inclusive do ex-prefeito Osmar Ramos. Com prisão preventiva decretada, Paschoal passou dez dias foragido da Justiça, e praticamente administrou a prefeitura por telefone, conforme matéria publicada por este jornal em junho de 2007. Enquanto isso, três advogados cuidavam de anular a própria decisão judicial. Dias depois, beneficiado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Paschoal voltou ao cargo.
Mais adiante, Paschoal foi afastado da prefeitura, retornando Antônio Calmon. Com isso, o processo movido contra ele, que aguardava julgamento no TJ-BA, voltou para a Comarca. De acordo com informações do Ministério Público, atualmente o município está sem juiz, o que facilita para que o processo continue parado e entre na lista dos que prescrevem com o tempo. E Paschoal segue livre, elegível e impune.
Outra irregularidade cometida pelo ex-prefeito de São Francisco do Conde foi detectada pela Controladoria Geral da União-CGU, conforme relatório de 12/02/2004. Segundo a CGU, a Prefeitura assinou contrato sem licitação com as empresas Mazda e TCI, no valor total de R$ 12 milhões para realização de serviços de infra-estrutura. Segundo o relatório "a Prefeitura pagou às empresas Mazda e TCI um valor estimado de R$ 9 milhões e R$ 3 milhões, respectivamente, pelas obras de pavimentação de ruas em paralelepípedo. As planilhas apresentadas não permitem caracterizar a efetiva realização das obras, que não foram executadas pelas duas empresas...".
Apesar de todo esse quadro de impunidade, em entrevista ao jornal O Povo (Ceará), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, aposta na eficiência da Justiça. "Os crimes são prescritíveis. Mas quando o órgão é encarregado pela instrução e pelo julgamento, porque é responsável pelo caráter definitivo, é muito difícil falar que haverá prescrição", comentou.
A teoria do pão e circo e o povo como vítima
A tese do "pão e circo", utilizada por muitos políticos durante as suas gestões, traz uma felicidade momentânea às classes menos favorecidas, mas deixa marcas incalculáveis para o resto de suas vidas. Não raro, a população sofre com a ausência de políticas públicas condizentes. Enquanto convivem diariamente com o esgoto a céu aberto, sem escola, trabalho ou lazer, no período eleitoral não falta ao eleitor uma promessa para calçar a rua, uma banda na praça, uma cesta básica ou até dinheiro.
Esta é a típica "vida de gado", como diz a canção de Zé Ramalho. Ou, noutra versão, a velha história de pão e circo, tão bem aplicada por alguns políticos brasileiros. Um exemplo ilustrativo desse quadro de "pão e circo" se passou no município de Riachão do Jacuípe nas eleições de 2004, quando o então candidato Lauro Falcão Carneiro (PSB e hoje PMDB), foi eleito para comandar os destinos do município. Durante a eleição, Falcão contratou artistas como Marcio Moreno e Raça Negra para ajudar a pavimentar a sua milionária campanha. Logo após ser empossado, os gastos da campanha começaram a ser ressarcidos com notas fiscais frias e superfaturadas.
Outra denúncia grave foi registrada na compra de um ônibus Marcopolo, modelo Volare W8, à empresa Peça Fácil Veículos, Peças e Serviços Ltda, faturado no valor de R$ 164 mil, conforme Nota Fiscal Nº 011703, de 29.12.2005. Segundo uma pesquisa feita um ano depois a três empresas por membros de uma Comissão Processante aberta pela Câmara de Vereadores local, inclusive a Peças Fácil Ltda, o mesmo ônibus tinha o custo R$ 126 mil. A denúncia foi feita por Salvador Edmilson Carneiro, filiado ao PT, antes do seu pedido de demissão da chefia de Transportes do município.
As apurações da Comissão Processante agravaram a situação do prefeito, mas na véspera da votação do relatório, misteriosamente, alguns vereadores mudaram as suas posições. Mas o processo foi encaminhado ao Ministério Público que, diante da gravidade, o enviou para o Tribunal de Justiça, recomendando o afastamento cautelar, a prisão preventiva, a indisponibilidade total dos bens e a perda dos direitos políticos de Lauro Falcão por oito anos. Mesmo cometendo novas irregularidades, como a realização de um concurso em 2006, que foi anulado pelo Ministério Público, Falcão foi reeleito em 2008. Até hoje os processos aguardam julgamento no Tribunal.
Polícia Federal dá show, mas todos ficam livres
As famosas operações da Policia Federal são um sucesso na televisão. Contudo, na prática, não passam de um show para os telespectadores. Não se tem conhecimento de algum político que foi preso diante das câmaras que ainda esteja atrás das grades. E não faltam operações: Anaconda, Sanguessuga, Vampiro, Navalha ou Jaleco Branco. Elas já prenderam quase duzentas pessoas, incluindo figurões como o ex-governador de São Paulo e atual deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).
Assim como este caso de Maluf, que é acusado de manter dinheiro suspeito em paraísos fiscais - embora o Ministério Público já tenha repatriado parte dos recursos -, a maioria das pessoas acusadas pelas investigações da PF responde os processos em liberdade. Na polêmica, a responsabilidade também fica por conta da burocracia da Justiça brasileira, que, lenta e defasada, privilegia os acusados, que tem dinheiro suficiente para retardar as suas condenações. Depois que prende os suspeitos, a Policia Federal perde o controle das operações, dando lugar à fase de julgamento. Vejamos:
Em 22 de novembro de 2007, o presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE) e ex-presidente da Assembléia Legislativa, Antonio Honorato de Castro Neto, o ex-deputado estadual Marcelo Guimarães, a procuradora-geral da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Ana Guiomar Nascimento, e mais 13 pessoas, entre empresários e servidores públicos do INSS, da Receita Federal, da prefeitura de Salvador e de Secretarias de Estado, foram presos na capital baiana, acusados de participar de um esquema para fraudar licitações públicas em prestação de serviços, em especial nas áreas de segurança, conservação e limpeza.
As prisões fizeram parte da operação Jaleco Branco, que foi derivada das operações Navalha e Octopus, e realizadas pela PF no Estado em maio daquele ano. Segundo os três delegados da Superintendência de Inteligência Executiva da Polícia Federal, em Brasília, que estavam à frente da operação, o esquema era praticado há mais de dez anos e deve ter causado um prejuízo de R$ 625 milhões aos cofres públicos.
Na esfera federal, tomemos como exemplo a "Operação Navalha", deflagrada pela Polícia Federal no dia 17 de maio de 2007, que teve como objetivo desbaratar esquemas de corrupção relacionados à contratação de obras feitas pelo governo federal. Na semana seguinte, as investigações levaram à queda o ministro das Minas e Energia Silas Rondeau, que foi acusado pela PF de ter recebido propina em seu gabinete para premiá-lo por supostas vantagens oferecidas à empresa Gautama, do empresário Zuleido Veras. Esta operação prendeu 47 pessoas, dentre elas o empresário Zuleido Veras e diversos políticos. Enfim, apesar do show e de novas operações desencadeadas pela Policia Federal, os seus efeitos não têm chegado além dos olhos da sociedade.
Os vacilos da Justiça e os "fichas sujas"
Em meio a uma crise ética sem precedentes no país, o Judiciário também não tem ficado ileso. Às voltas com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não é difícil citar algumas questões que tem deixado o Judiciário baiano de orelha em pé, mesmo com os seus 400 anos de história. Dois casos recentes dão razão a esses questionamentos.
O primeiro diz respeito ao afastamento determinado pelo CNJ das juízas Maria de Fátima Silva Carvalho e Janete Fadul de Oliveira, acusadas de participação num esquema de venda de sentenças revelado pela Operação Janus. O segundo caso diz respeito ao desembargador Rubem Dário Peregrino Cunha, acusado também de vender sentença e afastado preventivamente pelo CNJ em decisão unânime na sessão do dia 29 de setembro passado. O corregedor do órgão, ministro Gilson Dipp, requereu ainda a abertura de procedimento disciplinar e administrativo contra o magistrado baiano.
Outro fato que deixou a sociedade confusa sobre a atuação do Judiciário refere-se aos candidatos "fichas sujas". Às vésperas das eleições de 2008, o Ministério Público fez um levantamento de todos os políticos baianos que respondiam por crimes de improbidade administrativa e o enviou para as comarcas. De acordo com o MP, cabia aos juizes a responsabilidade pela liberação ou não do registro dos candidatos. Contudo, embora alguns candidatos tivessem o registro indeferido, todos foram liberados por instâncias superiores, independente da gravidade das acusações que respondiam.
Recentemente, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral entregou ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), um projeto de iniciativa popular que institui a chamada "ficha limpa" obrigatória para os candidatos nas eleições em todos os níveis. O projeto de lei recebeu 1,3 milhão de assinaturas, coletadas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas não foi adiante. A Câmara também vetou uma emenda do projeto de reforma eleitoral do senador Pedro Simon (PMDB-RS), que exigia "idoneidade moral" e "reputação ilibada" como requisitos para candidaturas.
Enfim, todo este quadro causa perplexidade ao cidadão comum, que certamente desconfia da funcionalidade da Justiça brasileira e da intencionalidade de boa parte da sua classe política. "Apesar de tudo que dizem do Judiciário, o papel dele é fundamental no combate à corrupção. Tudo depende dele, que é o ator principal. Por isso, é importante que a sociedade compreenda princípios como o da presunção da inocência, que não admite que alguém seja considerado culpado antes de transitar em julgado uma condenação, para poder exigir mais efetividade na sua atuação", defende o promotor Valmiro dos Santos Macedo, coordenador do Núcleo de Combate a Crimes Atribuídos a Prefeitos (CAP), do Ministério Público Estadual..
A estrutura do Judiciário facilita a impunidade
Com uma estrutura precária de equipamentos e pessoal, a justiça também sofre de outros males. Na Bahia, por exemplo, o fim do julgamento pelas Câmaras Especializadas dos crimes de improbidade administrativa praticados pelos prefeitos, que aconteciam nas sessões extraordinárias do Pleno e passaram a ser feitos pelas câmaras criminais, foi considerado um retrocesso do Tribunal. "Entendo que deve ser criada uma Câmara Especial só para julgar os processos contra prefeitos, a exemplo do que já acontece em São Paulo e Rio Grande do Sul", defende Valmiro Macedo.
Também no bojo das indagações sobre o papel da Justiça, o cidadão comum não entende como uma pessoa é condenada e, depois de longa investigação, consegue ficar impune. "Quem tem recursos (nos casos de crimes de corrupção), contrata bons advogados e se aproveita desse emperramento, conseguindo impedir que os processos cheguem ao seu final, antes da prescrição, na maioria dos casos", diz Macedo.
O promotor Valmiro Macedo lembra ainda que, "além das funções que o Judiciário pode impor aos gestores, as Câmaras Municipais também podem abrir processos administrativos, criando uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou uma Comissão Processante (CP) para apurar fatos ilícitos e até cassar mandatos".
Enfim, preocupados com esse quadro, o Tribunal de Contas dos Municipios (TCM) alerta que já conta com 26 Inspetorias Regionais em todo o estado, enquanto que o Ministério Público baiano acaba da criar, através do procurador-geral Lidivaldo Britto, o Núcleo de Combate às Conseqüências Econômicas da Atividade Delituosa, que terá a coordenação da Promotora de Justiça Ana Rita Cerqueira Nascimento.
Apesar de todo esse quadro reticente, a palavra que fica é a da esperança, mesmo que tenhamos de esperar mais quarenta anos para poder ver aflorar uma sociedade menos corrupta e uma Justiça mais ágil. Afinal, se esta mesma sociedade conseguiu romper a barreira da ditadura nas décadas passadas, por que não acreditar numa nova cruzada ética para romper as estruturas desse mar de corrupção? A luta já começou pela Tribuna da Bahia, neste 21 de outubro de 2009.