sábado, 19 de junho de 2010
"William é quem mais sente a minha falta"
QUASE DIARIAMENTE, Fátima Bernardes é uma das dez jornalistas do sexo feminino que se espreme na sala de entrevistas coletivas da Seleção Brasileira, no hotel The Fairway, em Johannesburgo. Vestindo o uniforme padrão da equipe da Rede Globo, cercada por 300 homens, ela não deixa de dar seus pitacos sobre o desempenho do time e de questionar o esquema armado pela CBF, com apenas dois jogadores por coletiva de imprensa. Eleita musa da Seleção em 2002, desta vez ela não tem encontrado chance de estreitar o relacionamento com o elenco. Ordem de Dunga, que não permite que os atletas falem com os jornalistas além do combinado.
Na África do Sul há pouco mais de dez dias, Fátima ainda não mergulhou nas raízes do país. Não foi a Soweto, por exemplo, bairro símbolo da luta contra segregação racial. Mas já sentiu bem de perto a divisão entre negros e brancos que ainda se faz presente na terra de Nelson Mandela. Aos 47 anos, munida de óculos escuros e echarpe - para se proteger do dia ensolarado e do frio à noite - ela contou à Gente sua impressão sobre o país pós-Mandela, da frustração com os limites da cobertura e de como faz para dar bom dia e boa noite para o marido, William Bonner, e para os filhos trigêmeos, Laura, Beatriz e Vinicius.
Você está há pouco mais de dez dias em Johannesburgo. Qual é a sua impressão da África do Sul?
Johannersburgo é uma cidade que, em algumas coisas, lembra o Brasil. Tipo, Brasília ou Barra da Tijuca, onde moro, lugares onde tudo se faz de carro e não se encontra ninguém na rua. A umidade do ar lembra a de Brasília. Se eu usasse ainda lente de contato, teria sérios problemas porque ela desidrata muito. Aqui as pessoas são alegres, mas isso pode ser uma visão alterada. Fui a Barcelona por conta da Olimpíada de 1996 e achei todos muito simpáticos. Depois, soube que haviam passado por um curso de atendimento aos turistas, porque eram tidos como mal-humorados. Ainda não consegui ir para Soweto, por exemplo, mas no geral, estou gostando da África do Sul.
Tinha algum receio de vir para cá?
Tinha tanta certeza de que iria gostar daqui que, pela primeira vez (desde que ela cobre eventos esportivos), planejei trazer as crianças para onde estou, ao final da competição. Meus filhos virão para a África do Sul com o William dia 12 de julho e ficaremos mais dez dias por aqui. Aí, deveremos ir para a Cidade do Cabo, visitar vinícolas... Faremos ainda uma degustação de chocolates. Como não tomo vinho - não bebo nada alcoólico -, devo aproveitar a degustação de chocolate. As crianças estão superanimadas. Só o William que, de início, estava reticente.
Por quê?
Talvez pelo que se ouve sobre segurança. E também pelo tempo que já estou aqui. Mas percebemos que a idade das crianças, 12 anos, é ideal para esse tipo de passeio, de acordar cedo para ir ver animais e dormir de madrugada para aproveitar mais os programas. Quando se fala em África do Sul em casa, meus filhos pensam logo em safári, nos bichos.
Já viveu algumas situações inusitadas em solo sulafricano?
No meu primeiro dia no hotel, a polícia resolveu fazer uma inspeção lá, às 7h, com cães farejadores antes da chegada da seleção da Eslovênia. Eu estava dormindo, quando ouvi um latido. Pensei: "Estou sonhando". Dali a pouco ouço um cachorro farejar a porta do meu quarto. Fui na ponta do pé até o olho mágico e vi um bando de policiais com cachorros. Pensei que fosse uma ameaça de bomba e liguei para a recepção. Uma moça me falou: "O time da Eslovênia vai chegar e vai ficar hospedado aqui". Aí, eu disse: "Minha senhora, tem uns cachorros latindo". E ela: "Não, eles não vão ficar". Que ótimo, muito me agrada, pensei (risos).
Notou se ainda há divisão entre espaços de negros e de brancos?
Achei mesmo que ainda fosse encontrar isso. Um dia fui ao cabeleireiro do hotel. Coloquei a minha bolsa na cadeira da moça que iria me atender, tirei os óculos e a echarpe e deixei lá. Uma senhora, branca, disse: "Não faça isso! Você é visitante?" Respondi que sim, e ela me avisou: "Some tudo!" Fiquei tão constrangida. Como iria sumir? Seria uma cliente ou uma cabeleireira que iriam furtar! Guardei as coisas, agradeci, e fiquei pensando. Imagina ela dizer isso em tempos de Copa? Todos os sul-africanos estão preocupados em mostrar uma África do Sul melhor. Foi um choque para mim. O fim do apartheid, feito por decreto há 16 anos, ainda é muito recente. Um trauma de 40 e tantos anos de opressão encerrado por um decreto não faz as pessoas virarem amigas de uma hora para outra.
Como você tem se comunicado com a família?
Tenho skype no hotel. Mas às 7h no Brasil, meio-dia aqui, eles me ligam. Estão no carro indo para o colégio e, no viva-voz, nos falamos. É aquela confusão: todo mundo falando. É a hora do bom dia. De tarde, ligo para a turma também. Ontem, por exemplo, nem tentei falar com eles pelo skype. Você acha que com nove crianças lá em casa alguém queria falar comigo? Eu iria ficar deprimida, arrasada!
Quem sente mais a sua falta?
O William (risos). Com as crianças na idade de 12 anos, ele vai sentir mais. Porque elas têm muita coisa para fazer agora, muita atividade. Conversamos muito sobre essa minha vinda para cá. Em 2002, quatro anos depois que meus filhos nasceram, foi a primeira vez que voltei a viajar para o Exterior. Achei que seria ruim. Não foi. Na Copa seguinte, meus filhos com 8 anos, foi pior. Eles sabiam que iria demorar, lembravam do Mundial anterior. Agora, eles estavam perguntando coisas muito tempo antes de eu vir. "Você vai para a Copa, no ano que vem?", eles insistiam. Mas acho que eles estão bem. E aí eu fico melhor. O pior para mim foi a semana anterior à viagem. O clima de despedida é horrível. Depois do nascimento dos meus filhos, fiquei dois anos e quatro meses sem viajar de avião. Tinha pânico de morrer, mas só tinha pânico de morrer de avião. Até hoje é um tipo de viagem que não me dá prazer.