domingo, 22 de agosto de 2010
Um juiz "pagando micos"
Não conto as vezes em que o rubor já me veio às faces durante uma audiência ou conversando com alguma pessoa que me procura no gabinete do juiz. Não há como segurar a demonstração de constrangimento que o sangue denuncia nas faces. Aliás, como dizem os mais novos, é como se estivéssemos "pagando mico".
Quando iniciei a carreira na magistratura (há quase 20 anos), por exemplo, seguia risca o disposto no artigo 3º, § 2º, da Lei de Divórcio, que determina aos juízes, em ações de separação judicial, ouvir separadamente os cônjuges sobre os motivos da separação e tentar a reconciliação. Embaraço total...
Também no início da carreira, o rubor me veio muito forte às faces quando um pai, com a filha adolescente ao lado, queria que eu constatasse que a pobre menina havia sido desvirginada. Em sua linguagem, que havia "se perdido". Claro que não fiz o tal exame...
Outra situação delicada é tomar declarações de vítimas de estupro e outros crimes sexuais. um constrangimento terrível para a vítima relatar a violência sofrida. Prefiro não comentar sobre o que já ouvi...
Por fim, com todo o respeito aos colegas juízes que adoram presidir cerimônias de casamento e aos nubentes que adoram o casamento civil, o maior "mico" que um juiz ainda pode "pagar" é presidir uma cerimônia de casamento e, ao final, conforme disposto no artigo 1.535, do Código Civil, declarar em alto e bom som: "De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados."
Além do rubor nas minhas faces de juiz, por fim, não entendo porque o Estado/Juiz insiste em se meter no casamento e na separação das pessoas, bem como não entendo porque a interdisciplina não é ainda obrigatória para certas situações enfrentadas pelos juízes, principalmente em casos de família e nos crimes contra a liberdade pessoal.
Enquanto isso, seguimos, como todos os normais, "pagando" nossos micos!
Por: Gerivaldo Neiva(FOTO)