segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Agora cult, Odair José grava álbum de inéditas e quer reconhecimento artístico
Não é de hoje que o valor da obra de Odair José, 61, vem sendo reavaliado.
Quando, em 2006, o compositor foi homenageado com o tributo "Eu Vou Tirar Você Desse Lugar", em que artistas pop como Pato Fu, Paulo Miklos, Mundo Livre S/A e Mombojó regravaram suas canções, algumas pedras foram arrancadas do muro que o separa dos compositores "sérios" da MPB.
Agora, o cantor prepara álbum de canções inéditas que pode contribuir com esse movimento agregador.
Previsto para chegar às lojas no primeiro trimestre de 2011, "Praça Tiradentes" está sendo produzido por Zeca Baleiro e vai contar com repertório composto especialmente para Odair por artistas como Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Chico César.
Baleiro conta que a lista de candidatos a emplacar uma música na voz de Odair era grande, mas a ideia é que o próprio compositor colocasse suas canções na roda.
"Ele achava que não gravaria mais discos, já tinha feito tudo", diz o produtor. "Isso por causa da demanda. Em shows, as pessoas querem ouvir aquelas mesmas músicas --tanto os velhos fãs quanto a nova geração que passou a acompanhá-lo."
"ADÚLTERO"
A nova geração a que Baleiro se refere vem dedicando atenção especial ao trabalho de Odair, sobretudo à safra dos 1970 --sucessos como "Vou Tirar Você Desse Lugar" e "Uma Lágrima".
Artistas mais jovens, como Marcelo Jeneci, Tatá Aeroplano (da banda Cérebro Eletrônico) e China, não desviam de colocar Odair entre as referências.
Mas é no trabalho da banda cearense Cidadão Instigado, liderada por Fernando Catatau, que ecos do velho Odair ressoam com resultado mais surpreendente.
"O que me interessa em Odair é a maneira simples e direta com que ele atinge as pessoas", diz Catatau. "É exatamente a mesma verdade que sinto quando ouço Raul Seixas, Black Sabbath."
O cantor Otto, outro dos admiradores de Odair, traça um paralelo entre o compositor goiano e outro, nascido em Cachoeiro de Itapemirim, com igual vocação popular.
"Odair e Roberto Carlos fizeram basicamente o mesmo caminho, mas em estradas paralelas", diz. "Roberto é para a família, para meu pai e minha mãe. Odair é para o cabaré, é para meu pai sozinho, para o homem adúltero. Ele é o verdadeiro rebelde."
DOCUMENTÁRIO
Odair detecta que o preconceito da elite brasileira em relação a seu trabalho começou a arrefecer em 2002, graças à publicação do livro "Eu Não Sou Cachorro, Não", de Paulo César de Araújo.
Ali, o autor defendia o caráter combativo dos artistas ditos "cafonas", Odair entre eles, durante a ditadura militar, nos anos 1970.
"A memória da MPB só investigou a repressão política e se esqueceu da repressão moral", diz Araújo. "O autoritarismo não se expressa apenas pelo governo militar. O quartinho da empregada e o elevador de serviço são contribuições brasileiras à arquitetura universal. E era isso que Odair denunciava."
Os direitos autorais de "Eu Não Sou Cachorro, Não" foram comprados pela cineasta Helena Tassara, que toca o projeto de um documentário. Na tela, a luta dos "cafonas" contra os militares (e o preconceito da própria esquerda) mudou de nome para, veja só, "Vou Tirar Você Desse Lugar". Odair é o destaque.
Hoje, Odair só pensa no disco novo. Esse sim, ele afirma, vai ser o último da longa carreira, que já dura 40 anos.
"Há dez anos, eu mesmo não defendia a qualidade do que fazia. Falaram tanto que meu trabalho era menor que eu acabei acreditando", diz. "Agora, estou vendo meu trabalho de forma mais respeitosa. Sei que minhas músicas vão durar muitos anos e sustentar meu filhos. Mesmo depois que eu morrer."