sexta-feira, 9 de março de 2012
Dependência de internet e celular prejudica convívio social dos usuários
Provavelmente você deve ter estranhado o começo deste texto, formado apenas por pontinhos. Uma característica da contemporaneidade é a enxurrada de informações, estímulos e sensações, que inunda nosso dia a dia com toneladas de ideias. Quando as coisas não são assim, parece que algo está fora da ordem.
Resumindo, quase não resta lugar para o respiro, para a pausa. Vivemos a ‘dromocracia’, a era marcada pela velocidade estonteante, como explicou o filósofo francês Paul Virilio. Ele foi um dos pioneiros a estudar os impactos dessas transformações, sobretudo nos meios de transportes e na comunicação.
Sem celular
Nesse contexto, a internet e as redes sociais são sua representação máxima. Aos poucos, entretanto, vai se fortalecendo um movimento de retomada de relações pessoais mais estreitas e de um ritmo de vida menos acelerado. A arquiteta Ana Laura Freire, 27 anos, decidiu, em 2011, dar uma guinada na vida. “Não estava feliz com esse modelo contemporâneo, aí comecei a desacelerar”, diz.
Por questões financeiras, teve de vender o carro, o que, para ela, não foi nem um pouco ruim. Hoje, chega aos locais mais tranquila usando ônibus. Quando a rota passa pela orla, então, aí é beleza pura! Ela já aproveita para fazer uma faxina mental.
A arquiteta conta, ainda, que cortou a televisão e, acreditem, algo quase impensável para muitos: o celular. Como autônoma, quem quiser pode encontrá-la em casa. “Acho que, com o celular, tudo virou imediato. Isso gera ansiedade. Muitas vezes, as coisas precisam de um tempo para que sejam resolvidas”, diz.
Para Ana Laura, a palavra de ordem é repensar as atitudes e ser seletiva. Facebook, por exemplo, ela ainda usa, mas de forma mais relaxada, sem obsessão por postar ou comentar tudo. Antes baladeira, hoje a jovem, que adora dançar, diz ser mais criteriosa e preferir locais sem confusão, onde possa conversar com amigos.
Velocidade cinco
Quem estuda assuntos relacionados ao mundo atual aponta algumas características contemporâneas. “Hoje, ser veloz é ser competente”, observa Eugênio Trivinho, 49, professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC – São Paulo. Segundo ele, a ideia de que vivemos em uma época mais acelerada não é mera impressão. Tal velocidade deu uma arrancada após o fim de Segunda Guerra Mundial, em 1945, explica.
E ele problematiza. “Essa hiperconectividade, paradoxalmente, é superficial, pois se dá sem relações mais profundas com o outro. Virou uma compulsão”, afirma. O exemplo máximo, disse, seria o Twitter, no qual os textos devem ter até 140 caracteres. Na opinião do professor, a profusão de diagnósticos de Distúrbio de Déficit de Atenção (DDA) na população mundial nada mais é que uma resposta do próprio corpo a esse contexto social. “O cérebro humano não está preparado para essa cobrança constante”, acredita.
Com o aumento de estímulos e dispositivos móveis como celulares e tablets – que mantêm o usuário constantemente conectado –, os problemas de saúde começam a aparecer. “Noto, em meu consultório, um crescimento no número de pessoas que me procuram com dificuldade para dormir à noite”, afirma o psiquiatra Geilson Santana.
Segundo o médico, o uso excessivo de computador, sobretudo nos momentos anteriores à hora de dormir, é péssimo para o sono. A própria luminosidade emitida pelas telas é uma interferência, explica Geilson, uma vez que o organismo precisa de ambientes escuros para repousar.
Dizer ‘não’
O músico Lucas Santtana, 41, se diz um fanático por inovação e tecnologia. O primeiro laptop veio em 2004. Com ele, a internet. “Fiquei fascinado com essa possibilidade de trocar informações em tempo real”. No final de fevereiro, ele lançou, através do seu facebook, o disco O Deus que Devasta Mas Também Cura.
Para equilibrar, Lucas anualmente faz uma viagem de uma semana. Computador e celular não são companheiros nessa hora e ficam sempre em casa. “Nos primeiros dias, é complicado. Mas, depois, noto mudanças na mente”, afirma.
Repensar posturas em épocas frenéticas pode ser atualíssimo, mas, sem dúvida, não é uma atitude que surgiu só agora. No final da década de 70, a educadora Blandina Brito, hoje com 61 anos, equilibrava a vida doméstica com ensino e o mestrado na Ufba. Queria fazer mil coisas. Até chegar a primeira filha.
Quando tirou licença-maternidade, percebeu a necessidade de desacelerar. Além de dicas como buscar um maior contato com a natureza e fazer atividades relaxantes, ela dá outras. “Temos de fazer escolhas e aprender a dizer ‘não’. Temos de ter consciência que nunca vamos entender ou dominar tudo”, observa.
Ex-viciado
A falta de limites e a compulsão eram justamente os problemas do analista de sistemas Marlon Carvalho, 34. Alguns anos atrás, ele era viciado em games. “Chegava em casa de noite, cansado, e já ia para o computador. Muitas vezes, ficava jogando até amanhecer. E ia direto para o trabalho”, conta. Na época da internet discada, o analista costumava esperar dar meia-noite para se conectar, de modo a pagar menos e poder jogar mais.
Segundo Marlon, o cansaço desregulava seu organismo completamente. “Vivia estafado, distraído, com sono”, afirma. Muitas vezes, desmarcava eventos sociais com amigos para ficar jogando. Um dia, resolveu dar um basta naquilo.
“Liguei o computador e apaguei todos os jogos. Cortei de vez mesmo. Foi doloroso no início, mas depois vi que conseguia viver sem aquilo”, conta. Hoje, diz que ainda joga, mas tem de se controlar. Cada dia conta na recuperação de um ex-viciado. O processo é lento. Sem pressa.
FONTE:CORREIO DA BAHIA