sábado, 14 de julho de 2012
Mosquitos mutantes são a nova arma para combater a dengue
O reino animal está cheio de “meninas más”. A fêmea do louva-a-deus devora a cabeça do macho depois de acasalar. O macho da viúva negra vira um nutritivo petisco para sua aranha, depois de morrer ao ter seu órgão sexual quebrado no corpo da fêmea. A vingança dos machos, mesmo que involuntária, veio de uma variedade do mosquito Aedes Aegypti, transmissor do vírus da dengue.
Desde fevereiro de 2011, a biofábrica Moscamed produz em Juazeiro, com uma tecnologia desenvolvida pela empresa inglesa Oxitec, mosquitos machos que, soltos para cruzarem com fêmeas da natureza, geram descendentes que não conseguem sobreviver. Nesse período, a estratégia conseguiu reduzir, em média, 85% da população do Aedes Aegypti em Itaberaba, bairro juazeirense onde o projeto foi testado.
Como eles são idênticos aos mosquitos selvagens, atraem as fêmeas normalmente. A diferença está em um gene, introduzido nos embriões gerados nos laboratórios da Moscamed, conforme explica o doutor em genética Aldo Malavasi, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do Projeto Aedes Transgênico (PAT).
“É um gene que faz com que, para que o mosquito complete o desenvolvimento larvário, seja necessária a presença de tetraciclina”, detalha Malavasi. Como a substância, um antibiótico produzido a partir de bactérias Streptomyces, não está disponível na natureza, o inseto morre ainda na fase larvária – etapa que é combatida, nas campanhas contra a dengue, com a eliminação de fontes de água parada e limpa.
“Os machos criados em laboratório sobrevivem porque acrescentamos tetraciclina na água onde eles são cultivados”, descreve. Também é introduzido no vírus um marcador genético fluorescente, que identifica as larvas transgênicas. “Quando o ministro viu, ele disse: ‘Que bonito’”, conta Malavasi, referindo-se ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
E por que apenas os machos foram escolhidos para esta missão terrorista? “Apenas as fêmeas do Aedes Aegypti picam. Então mesmo que elas não sejam portadoras do vírus, incomodariam muito”, esclarece o professor. Se um mosquitinho incomoda muita gente, é de se imaginar o estrago que 500 mil fossem causar na cidade. Essa é a quantidade de mosquitos liberada por semana, para copularem com as fêmeas selvagens das ruas de Itaberaba.
“Nós soltamos no início da manhã, quando a temperatura é mais amena aqui no semiárido, e aumenta a resistência dos mosquitos”, diz. Além disso, o tempo de vida médio desses mosquitos é de cinco dias.
O projeto surgiu através de uma parceria entre a Moscamed, que já trabalhava na Bahia desde 2005 com o controle da mosca-das-frutas. É a primeira biofábrica a produzir insetos estéreis para controle biológico de pragas do Brasil. A Oxitec, que já atuava com o controle do Aedes Aegypti, decidiu testar sua tecnologia em um local com grande incidência do mosquito.
O sucesso do projeto piloto atraiu a atenção da Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), que convidou a Moscamed a ampliar sua atuação. Com o investimento de R$ 1,7 milhão, foi construída uma nova unidade de produção, com capacidade para produzir 4 milhões de mosquitos por semana - oito vezes mais do que é fabricado atualmente. O novo laboratório foi inaugurado no último dia 7. Esses mosquitos serão utilizados em Jacobina, a 330 km de Salvador. O município, com 79 mil habitantes, é o décimo entre os piores índices de dengue e já registrou duas mortes este ano.