terça-feira, 2 de julho de 2013
Pode não parecer, mas Dilma está é atropelando o Congresso
Uma Constituinte e mesmo o plebiscito não são a casa-da-mãe-Dilmona — vivendo, é bom destacar, seus dias de Madrasta da Cinderela. Há regras para as duas coisas. É impressionante — estupefaciente mesmo (sim, eu gosto dessa palavra!) — que o Brasil esteja a discutir uma reforma política quando a governante de turno, ao empreender tal esforço, simplesmente ignora a lei. Escrevo de novo: para reformar a política, que estaria cheia de vícios, a soberana decide ignorar o que está devidamente regulamentado. A esmagadora maioria dos brasileiros deve achar, a esta altura, que basta a presidente da República pedir para que se faça um plebiscito.
Dilma deve enviar nesta terça a sua mensagem ao Congresso. Sei lá que tipo de documento será. Poderia ser um cartinha com coraçõezinhos vermelhos, um bilhete perfumando, um torpedo do Aloizio Mercadante, o superministro sem pasta (não me venham dizer que ele anda a cuidar da Educação…). Por que escrevo isso? É simples.
O plebiscito está previsto, sem qualquer detalhamento, no Artigo 14 da Constituição. Mas existe uma lei que estabelece as condições para que seja realizado — e também as duas outras formas de consulta: o referendo e a emenda de iniciativa popular. Trata-se da 8.709. E ali estão dadas as condições para o dito-cujo. Uma delas é esta:
“Art. 3o Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do § 3o do art. 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei.”
Entenderam? O plebiscito tem de contar, de saída com o apoio de pelo menos um terço da Câmara (171 deputados) ou do Senado (27 senadores). Para que se transforme num decreto legislativo, tem de ser aprovado pela maioria das duas Casas.
Ou por outra: sabem o que a presidente da República tem com isso? Absolutamente nada! Pode não parecer, mas Dilma está é atropelando o Congresso numa matéria que é da exclusiva competência desse Poder. Nesta segunda, num ato já insólito, encaminhou uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral sobre a viabilidade do plebiscito.
Também isso é uma invasão de competência escandalosa, como notou o ministro Gilmar Mendes, que participava de sessão do TSE, diante de uma Carmen Lúcia, presidente desse tribunal, mais ou menos atônita. Basta ver o que dispõe o Artigo 8º da Lei, que transcrevo:
Art. 8o Aprovado o ato convocatório, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição:
I – fixar a data da consulta popular;
II – tornar pública a cédula respectiva;
III – expedir instruções para a realização do plebiscito ou referendo;
IV – assegurar a gratuidade nos meio de comunicação de massa concessionários de serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em torno da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema sob consulta.
Assim, à presidente Dilma Rousseff não cabe enviar mensagem ao Congresso coisa nenhuma, como não cabia também a consulta ao Tribunal Superior Eleitoral. Ontem, ela comparou a sua equipe com a de Felipão… Não! Se o futebol estivesse funcionando com o governo Dilma, José Maria Marin é que estaria dando dicas a Neymar. Vocês podem imaginar o resultado…
Se Dilma acha mesmo imperiosa a reforma política agora — é pura cascata! —, que mobilizasse seus ministros encarregados da interlocução com o Congresso (Casa Civil, Relações Institucionais e Justiça) para conquistar, então, aquele terço necessário, que resultaria na proposta de decreto legislativo etc. Mas não! Em vez disso, o governo sai por aí metendo os pés pelos pés.
A menos que violente a lei — e, creio, a questão irá parar na Justiça —, só haverá plebiscito se ao menos um terço de uma das Casas se manifestar nesse sentido. Depois, as duas, por maioria, têm de aprovar a proposta. Que os “companheiros” da base aliada fiquem atentos. O principal objetivo dos petistas é retirar dos partidos o direito de administrar o próprio caixa de campanha: seja com financiamento público, como eles querem, seja com financiamento privado, a petezada defende um caixa centralizado, que distribuiria os recursos segundo o tamanho de cada bancada na Câmara — o que seria bom… para o PT! O partido, de resto, continuaria a receber contribuições ilegais, ainda que não necessariamente em dinheiro, de sindicatos, ONGs, movimentos sociais…
O povo se diz favorável à reforma política porque, obviamente, não tem como saber de todos esses truques. Com a proposta, Dilma tenta sair da berlinda e fazer de conta que o problema está ao lado, no Congresso.
Dilma poderia dar uma primeira contribuição importante à reforma dos hábitos políticos brasileiros: seguir a lei. O que lhes parece?FONTE:VEJA