terça-feira, 10 de setembro de 2013
"A classe média não tem dignidade", diz Miguel Falabella
Miguel Falabella está de volta, a partir do dia 1º de outubro, ao seriado "Pé na Cova". Para a segunda temporada do humorístico, Miguel, que também é o autor da trama, preparou novidades como o filho adotado pelo casal lésbico formado por Odete Roitman (Luma Costa) e Tamanco (Mart'nalia), a entrada de Clecio (Magno Bandarz) e uma trilha sonora refinada.
Em conversa com o UOL durante o lançamento do programa, o artista revelou ter ficado surpreso com a repercussão nas ruas. "Me encantou saber que chegou forte no povão", disse. Além disso, Miguel afirmou que "nunca fez nada para a classe A" e que "é popular" e não economizou críticas à classe média. "A classe média não tem dignidade", opinou.
Aos 56 anos, ele brincou que pretende escrever seu livro de memórias, com título de "Pretérito Imperfeito". "Mas não vou dizer ninguém que eu comi. Acho baixaria", contou aos risos. Leia abaixo a entrevista completa.
UOL - Na coletiva de lançamento da primeira temporada de "Pé na Cova" você havia dito que não se importava se o seriado não tivesse vida longa. Se surpreendeu com o convite para uma segunda temporada?
A vida inteira falaram mal de mim, eu sou a Gloria Estefan
sobre críticas
Fiquei feliz, nem tanto com os elogios. Mas me encantou saber que o programa chegou no povão. Minha grande preocupação era saber se esse humor negro com poesia ia pegar. Porque no meio daquele caos, daquela gente morta, vem uma humanidade. Além disso há uma transgressão grande, eles são livre, loucos.
Me parece que a crítica também foi positiva ao programa...
Fiquei surpreso de ser tão bem recebido, o "Estadão" e a "Folha de S.Paulo" elogiaram. E olha que a vida inteira falaram mal de mim. Eu sou a Gloria Estefan, vivemos em Cuba, mas eu moro em Miami. Sempre falam mal da Gloria, tadinha [risos].
Nas ruas, como é a abordagem do público?
Eles têm muita empatia com o Ruço, acho que passo muita verdade ao fazer um bofe suburbano. Minha realidade é de carioca suburbano, nasci na Ilha do Governador, então, de alguma forma, estou homenageando esses homens com quem fui criado. A Darlene (Marília Pêra) também é uma unanimidade nas ruas. Acho que o público entende a maluquice deles. Todas as famílias são disfuncionais. Só que eu olho com afeto para elas e isso toca as pessoas.
O seriado se passa no subúrbio, mas você mora na Lagoa (bairro da zona sul do Rio). A "classe A" consegue se enxergar ali?
Eu nunca fiz nada para a dita "classe A". Só faço televisão para o povão, sou popular. E o povão entende a crítica que faço, eles se veem entendendo que não era para ser assim, que a filha não deveria ser puta por falta de opção, que o filho não deveria ser político corrupto. O Ruço é um homem chocado pelo mundo que o rodeia. Crio isso tudo com um olhar do humor, mas continua sendo uma grande tragédia. Vou agora colocar um médico cubano para ir ao Irajá, ele vai chegar de balsa e tudo [risos].
Eu nunca fiz nada para a dita "classe A". Só faço televisão para o povão
sobre público-alvo
A família de "Pé na Cova" é bastante aberta, eles aceitam a filha lésbica, há um personagem travesti... Essa aceitação também foi uma surpresa?
De um modo geral, os pobres se divertem mais. Comprei de presente dois apartamentos para minhas duas empregadas, no mesmo prédio, no mesmo andar. Fui à festa de inauguração e tinha puta, travesti, tinha de tudo e todo mundo se dava bem. A sobrevivência obriga você a ser flexível. A classe média é que não tem dignidade, ela ainda está ligada a conceitos, maneiras de ser e viver. E o rico, o rico liga o f***-se.
Miguel, quando você lançou o seriado, chegou a dizer que iria parar de atuar. Ainda pensa nisso?
Quero priorizar a minha vida, tenho um romance começado que não consigo finalizar. Também tenho que produzir, tenho uma carroça pesada, ajudo muita gente. O "Pé na Cova" só não me cansa muito porque só gravo três vezes por semana. Mas quero parar de atuar, talvez fazer só a peça que eu goste muito, musical também acho que já encerrei.
Além desse romance, você já pensou em escrever um livro de memórias?
"Pretérito Imperfeito" é o nome que acho bom. Mas não vou dizer ninguém que comi no livro, acho uma baixaria. E olha que já comi muita gente. [risos]
Novela ainda é algo que te move?
Acho tudo muito pobre, mas também não tenho assistido a nada. Outro dia me perguntaram o que eu achava da Marina Ruy Barbosa cortar os cabelos. Eu sei lá quem é Marina Ruy Barbosa. Eu não vejo televisão [risos]. Mas tenho uma sinopse escrita para o horário das sete, se chama "Por Amor ou Por Dinheiro", mas não sei se vai sair.
Eu sei lá quem é Marina Ruy Barbosa. Eu não vejo televisão
sobre não ver televisão
Depois de gravar tantas cenas em uma funerária fictícia, como anda sua relação com a morte?
Não tenho problema nenhum com isso, vou igual a um passarinho. Já morremos tantas vezes, o medo é só da primeira vez, não é algo que me assuste. Minha geração morreu inteira. Na década de 80, eu cheguei a ir a quatro velórios em um mês.
Você está com 56 anos e em ótima forma. Se cuida?
Claro que me cuido, tenho que me cuidar, tenho que ficar um velho direito, não quero me arrastar. E também não tenho medo de ficar velho, nada disso, tem gente na vida para tudo. Tem gente para transar com todo mundo, basta procurar.
Tem vontade de levar "Pé na Cova" para as telas do cinema?
Cinema é uma coisa difícil e tenho achado todo mundo histérico com isso de comédia, essa pressão de fazer dois, três milhões de espectadores. Sem contar que, para fazer cinema, tem que fazer muito bem feito. O lema do Canal Brasil deveria ser "quem deve teme", porque cinema fica para o resto da vida. Se você faz uma m***, já viu né? Televisão não, eles apagam as fitas, gravam por cima. [risos]