terça-feira, 29 de outubro de 2013
Darino Sena: mudança de mentalidade
Mais do que o salto do Vitória no Brasileirão, a maior contribuição de Ney Franco talvez seja outra: a mudança da mentalidade. Ao invés de se fazer de vítima e transferir responsabilidades, Ney Franco tem ido à luta, sem medo de ser feliz. Ter menos grana que os concorrentes, estar fora do “eixo”, elenco mais limitado, a perseguição da arbitragem, o bairrismo da imprensa do Sul, o desgaste da sequência de jogos, os desfalques... nada tem sido desculpa. Contra as justificativas e os bodes expiatórios de sempre, Ney Franco tem sido ousado como nunca. E quando não dá certo, uma palavrinha rara no futebol de hoje - honestidade. Como no Ba-Vi, quando Ney teve a hombridade de admitir que foi inferior ao rival. Ganhou ainda mais meu respeito.
Jogar fechado pra conseguir um pontinho ou quem sabe uma vitória num erro do adversário... Não. O Vitória de Ney foi pra cima do Atlético-PR, então grande surpresa e invicto em casa no Brasileirão. Abriu 3x0. Vacilou e permitiu o empate. Hora de se deixar levar pelos velhos traumas, fechar a casa e ao menos garantir o empate. Não. William Henrique neles! Mais velocidade para superar o momento de maior instabilidade. Ser inteligente pra transformar a empolgação rival em arma a seu favor. Contra a pressão da torcida do Furacão, coragem. Contra o otimismo deles, contra-ataque. O Vitória fez cinco gols pela segunda vez fora de casa na história do Brasileirão. Era o resultado mais emblemático do time até aqui. Era.
Até que no domingo, Ney encheu o torcedor do Vitória e quem gosta de bom futebol de orgulho. Contra os esquemas manjados, contra a lógica, contra o Maracanã, contra a precoce inferioridade numérica. A expulsão de Kadu aos 14 minutos foi um balde de água fria na esperança dos rubro-negros. Nem de todos. Ney tem se superado em transformar dificuldade em oportunidade. Tirou o volante Michel e botou Luiz Gustavo pra recompor a zaga, mas manteve os homens mais ofensivos. Para não abrir mão de vencer, duas linhas de quatro e mais doação de Escudero, Cajá e Marquinhos pra fechar espaços sem a bola e, com ela, jogar. Foi assim que abriu o placar. E foi assim também que levou a virada. Afinal, o risco é do jogo. O medo, dos covardes. Estratégia mantida, fôlego renovado - William Henrique no lugar de Cajá. De novo, mais um resultado eterno. Que vai virar aquela lembrança gostosa pra contar pro filho. Um “3x2” pra sempre.
Ney Franco tinha muito a perder quando veio pro Vitória. Time em posição intermediária na tabela, em crise, com perspectivas medianas. A missão maior era evitar a aproximação da zona. Ney podia ter esperado coisa mais sedutora. Pouco antes, fora sondado pelo milionário Fluminense. Podia apostar em maus momentos de clubes tão badalados quanto e esperar. Mas preferiu encarar o desafio de tirar o Leão da toca. De mudar o status do Vitória. De rebaixável a postulante à Libertadores.
Não vai ser fácil. A distância pro G-4 ainda é relativamente grande. Faltam só sete rodadas. É verdade que o G-4 pode crescer a depender do campeão da Copa do Brasil. Mas pode diminuir também: se o São Paulo, que escurraçou Ney, for campeão da Sul-Americana. Irônica e maldita ameaça...
Independentemente da vaga vir ou não, Ney Franco já deixou uma lição. A de que, com trabalho, conhecimento, coragem e honestidade, é possível superar as desconfianças, os velhos traumas e complexos e chegar longe. Deixar de ser grande só nas bravatas, mas ser, de fato, jogando bola.
Talvez não dê. E se não der? Dane-se. Que mal há em sonhar alto? Pra quem já fez tanto e já chegou tão longe, acreditar é obrigação. Só falta o torcedor rubro-negro dar uma mostra real de que também acredita. O maior público do Barradão até aqui no Brasileiro foi de 17.086 pessoas, no 1x0 contra o Botafogo. Muito pouco perto do que o time tem feito. Incoerente com a ambição pregada pelo treinador e justificada pelos jogadores. Rubro-negros, deixem-se contaminar pelo ney-franquismo vocês também. Domingo é dia de lotar a Toca. Fazer o Barradão ferver. E provar que a sua mentalidade mudou também.
Fonte:Correio da Bahia