A nove dias do início da Copa do Mundo no Brasil, o país não tem uma música-tema do Mundial para chamar de sua. "We Are One", faixa oficial da Fifa dividida entre Pitbull, Jennifer Lopez e Claudia Leitte, foi alvo de críticas e não empolgou. Outras composições brasileiras também não chamaram a atenção. Para Ricardo Cravo Albin, musicólogo e criador do dicionário da MPB, a situação é motivo de "pena" e pode ser classificada como "um momento oposto" à época em que "Pra Frente, Brasil" virou hino na Copa de 1970, no México.
"Infelizmente, os tempos mudaram. Naquela altura [Copa do Mundo de 1970], as pessoas realmente cantavam porque compravam discos, era o único suporte e único veículo que ia para a casa de todo o mundo", lembra ele, que aponta a diversidade da oferta na internet como uma das culpadas pela dificuldade em emplacar um único hit fortalecido.
Segundo o historiador, a Fifa tem outra parcela de culpa por não existir uma canção que ilustre o momento da Copa de 2014. "A Fifa, como dona da Copa, impôs também um disco celebrando o Mundial. É um CD avaro, pouco generoso com a música brasileira, que fica diluída entre várias canções internacionais", avaliou Albin, que acha impossível conquistarmos o feito de "noventa milhões em ação", como diz a letra de "Pra Frente, Brasil".
O maior hino de todos os tempos
Em 21 de junho de 1970, o Brasil vivia um momento histórico na Copa do Mundo. A seleção brasileira de Zagallo, Rivelino, Pelé e Tostão conquistava o tricampeonato, ganhando da Itália por 4 a 1. Como principal recordação, a vitória fez com que a música "Pra Frente, Brasil" se eternizasse e virasse o maior hino de todas as Copas, com os emblemáticos versos "Todos juntos vamos/ Pra frente, Brasil/ Salve a seleção".
Escrita por Miguel Gustavo (que morreu dois anos depois daquele Mundial), a canção surgiu em um concurso organizado pelos patrocinadores das transmissões dos jogos da Copa. De acordo com Cravo Albin, a canção era tocada nas rádios e "levada a sério como forma de incentivo para a seleção". "'Pra Frente, Brasil' nada mais é do que um jingle contagiante, extremamente bem articulado e bem feito, que virou uma música, que virou um hino e que comove aqueles que amam futebol."
O meia Roberto Rivellino, um dos responsáveis pela goleada do Brasil naquela final de Copa, contou ao UOL que só tomou conhecimento da música quando voltou ao Brasil e foi recebido pelo então presidente Emílio Médici. "Como fomos para a Copa desacreditados, ficamos focados e confinados em um castelo no México. Naquela época, não tínhamos acesso a nada como internet, TV, celular. Foi quando chegamos aqui que senti a emoção dessa música, que me arrepia até hoje."
Para o ex-jogador, a canção deu certo porque foi uma aliada da seleção de 1970 para tornar aquele momento histórico. "Aquela seleção encantou o mundo. A maior seleção de todos os tempos e, de repente, 'Pra Frente, Brasil' foi considerada a melhor música de todas as Copas. Tudo se encaixou muito bem." Cravo Albin lembra que, ao mesmo tempo, "havia 1% da população que estava nas masmorras, perseguida pela ditadura".
Era o caso da atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Em entrevista ao colunista do UOL Juca Kfouri, ela contou que sente dor ao ouvir a música que marcou aquela Copa. "'Não consigo ouvir essa música sem lembrar que eu estava sendo torturada quando ela tocava', disse a presidenta para mim. São ambiguidades humanas. É compreensível. Ela associa uma coisa a outra, mas nunca deixou de torcer pela seleção", contou o jornalista.
Para Kfouri, é uma injustiça dizer que a música era um hino da ditadura. "Isso, de forma alguma, era a intenção de Miguel Gustavo. Ele não fez a música para saudar nenhuma situação política", diz Kfouri. Para o jornalista, diferentemente desta Copa, não existia a politização dos resultados. "Naquela época não teve isso de 'o Brasil ganha, e é ponto para a Dilma' ou 'o Brasil perde, e é ponto para a oposição'".
Música, política e Copa do Mundo
Com protestos diários contra a Copa do Mundo no Brasil, o país vive um momento de desgaste do futebol por conta de insatisfação política, e até a música oficial do Mundial foi abafada. No vídeo da canção "We Are One", Claudia Leitte --única brasileira que participa-- aparece apenas por cerca de 40 segundos e canta em português em 20 deles. A cantora disse ao UOL que esse tempo é suficiente. No entanto, internautas criticam a falta de "brasilidade na canção".
Já Cravo Albin classifica a música como "bem fraquinha". "Claudia Leitte aparecer pouquíssimo significa que essa Copa não é do Brasil, é da Fifa. É uma Copa da Fifa, que alugou o Brasil para fazê-la, construindo determinados estádios que são hoje objetos de tanta observações, preocupações e críticas", diz.
Com preocupação, Rivellino acha que essa insatisfação e a falta de uma música que seja a cara do país ocorrem porque "o povo brasileiro está com um pé atrás". "Todo o mundo está envergonhado e temeroso. Perdemos o momento de mostrarmos a nossa cara e para que viemos. Tenho medo de que o torcedor se misture com os protestos."
Juca Kfouri vê a situação com olhos mais otimistas e acredita que o hino da Fifa pode empolgar depois do início dos jogos. "[A música] Fica tocando insistentemente nos estádios. As pessoas falam que preferem a música da Shakira ['Waka Waka'], mas, na África do Sul [Copa de 2010], a música não parava. Foi massacrante." Por outro lado, ele observa que nada se igualará a "Pra Frente, Brasil". "É tudo uma questão de inspiração. E isso será quase impossível de acontecer."
Relembre a letra de "Pra Frente, Brasil":
Noventa milhões em ação
Pra frente Brasil
Do meu coração
Todos juntos vamos
Pra frente Brasil
Salve a Seleção
De repente é aquela corrente pra frente
Parece que todo o Brasil deu a mão
Todos ligados na mesma emoção
Tudo é um só coração!
Todos juntos vamos
Pra frente Brasil, Brasil
Salve a Seleção