Dunga ainda não fez sequer a primeira convocação, mas já deu uma série de indícios sobre os caminhos que vai tomar como técnico da seleção brasileira. De volta ao cargo que ocupou entre 2006 e 2010, o treinador concedeu entrevista coletiva na última terça-feira (22), no Rio de Janeiro, e deu poucos recados diretos sobre o que espera do time. Nas entrelinhas, porém, o comandante da equipe nacional deixou várias mensagens.
A primeira entrevista coletiva de Dunga no retorno à seleção brasileira começou com um pedido de desculpas. O treinador admitiu que as relações humanas foram o principal problema de sua passagem anterior pela equipe.
Depois, Dunga falou sobre temas como o atual estágio da seleção brasileira, o time que ele pretende montar, o comportamento esperado dos atletas e a rejeição ao nome do novo técnico. O comandante evitou fazer críticas e cobranças diretas, mas quase sempre deixou implícitas as projeções para o futuro da equipe nacional.
Veja abaixo uma comparação entre o que Dunga disse e o que Dunga quis dizer na terça-feira:
1 - O que Dunga disse sobre comportamento
"É importante ter talento e planejamento. O marketing é relevante, mas o resultado dentro de campo também"
"O Brasil tem jogadores de talento, mas tem de aliar talento, trabalho e equilíbrio emocional. Tem de passar para o torcedor e para as crianças que a escola é uma coisa, mas a vida é dura e não perdoa. Se não nos prepararmos bem a vida não perdoa"
O que Dunga quis dizer sobre comportamento
Uma das características que conduziram Dunga de volta ao comando da seleção é o perfil linha dura. A análise da cúpula da CBF é que houve deslizes de comportamento na Copa de 2014.
O cenário se assemelha ao que Dunga encontrou depois da Copa de 2006, mas por motivos diferentes. Se naquela época a preocupação da CBF era com excessos ligados a falta de comprometimento, hoje o temor é sobre vaidade e descontrole emocional, dois traços que a seleção mostrou no Mundial de 2014. Houve jogadores que mudaram a cor do cabelo (Daniel Alves e Neymar) e casos de choro em público durante a competição (David Luiz, Júlio César, Neymar e Thiago Silva).
2 - O que Dunga disse sobre a formação do time
"Gostamos de talento, mas elogiamos a organização da Alemanha, por exemplo, e vamos buscar dentro de campo um futebol com características do futebol brasileiro"
"O que é futebol arte? O goleiro defender é arte, e interceptar uma bola é arte. O que não podemos é comparar o futebol lá de trás com o de agora. Não podemos querer um Pelé ou um ídolo a cada dia. Todos falam de futebol ofensivo e que futebol ofensivo é colocar quatro ou cinco atacantes, mas vimos na Copa todas as equipes marcando atrás da linha da bola. Em 2010 todos falaram que era defensivismo, mas agora dizem que é moderno"
"Achamos que o craque não precisa participar do jogo, mas vimos Müller, que é o grande jogador da Alemanha, ajudando atrás. Robben e James Rodríguez também. O futebol tem de ter participação de todos. Vimos o goleiro da Alemanha jogando de líbero. É preciso se aprimorar a cada instante"
O que Dunga quis dizer sobre a formação do time
Não espere depois da Copa de 2014 uma seleção brasileira ofensiva, leve e ousada. A ideia de Dunga é retomar a competitividade e o comprometimento tático que o time tinha na passagem anterior dele pela seleção.
Isso incluirá o atacante Neymar, principal jogador da seleção brasileira atual. Os exemplos de Müller, Robben e James Rodríguez são um recado velado ao camisa 10, que terá de se dedicar a aspectos como marcação e recomposição na nova seleção brasileira.
3 - O que Dunga disse sobre o perfil da atual seleção
"A seleção que está sendo aí é muito jovem. Temos de mesclar. Falamos dos jovens da Holanda, mas não do Robben, que não vai jogar a próxima Copa. Temos que passar que as outras seleções também têm uma mescla"
O que Dunga quis dizer sobre o perfil da atual seleção
Esqueça a ideia de renovar a seleção usando uma base de jogadores jovens. Ao contrário de Alexandre Gallo, coordenador das seleções amadoras, Dunga defende um elenco alicerçado em referências experientes.
A seleção de Dunga na Copa de 2010 tinha média etária de 29 anos e três meses, a maior da competição. O treinador preteriu novatos como Neymar e Paulo Henrique Ganso, que estavam em ascensão no Santos.
4 - O que Dunga disse sobre o período em que ficou longe do futebol
"Ficar me vangloriando sobre cursos serve pouco. O bom treinador tem que tirar a individualidade do jogador em prol do coletivo. Não adianta estudar muito se você não consegue tirar o melhor para os seus jogadores"
O que Dunga quis dizer sobre o período em que ficou longe do futebol
Dunga teve apenas uma experiência como treinador depois da Copa de 2010: trabalhou por dez meses no Internacional em 2013. O técnico recusou outros convites e não buscou atualização com cursos e teoria.
A prioridade de Dunga é ver jogos e conversar sobre futebol. Se for com pessoas que são do esporte, melhor ainda. O treinador avisa logo de cara que não tem muito do que Gilmar Rinaldi, coordenador de seleções, falou na semana passada. Ao analisar o perfil do técnico que ele queria contratar, o dirigente disse que haveria cobrança por atualização constante.
5 - O que Dunga disse sobre o retorno à seleção e a rejeição ao nome dele
"Não penso em mim, e sim na seleção. Se a seleção estiver bem eu estarei feliz. Esse cargo acaba com a privacidade e com outras coisas, mas vale a pena. É o que eu falava para os jogadores: parece que quatro anos são muito tempo, mas quando vocês virem vai ter passado. Então, aproveitem"
"Pesquisa está aí para ser derrubada. Acredito no torcedor brasileiro, no carinho, e eles vão entender que o objetivo maior é a seleção. Não sinto essa rejeição nas ruas ou nos aeroportos"
O que Dunga quis dizer sobre o retorno à seleção e a rejeição ao nome dele
Dunga tentou mostrar perfil altruísta e colocar a seleção brasileira acima de objetivos individuais. Essas eram outras características que a CBF buscava para o início do novo ciclo.
Além disso, Dunga repete um conceito usado pela própria CBF: para ambos, resultados são os melhores argumentos para desmontar qualquer rejeição popular.
6 - O que Dunga disse sobre a relação com a imprensa
"Não tive problema com a Globo, com A, B ou C. Tive atritos porque sou gaúcho e porque combinado não é caro. Eu cumpro o que é combinado. Talvez tenha levado muito na ponta da faca, porque cumpri muito, mas muito não foi cumprido. Não mudarei a minha essência, que é comprometimento, transparência e planejamento, as é como o presidente falou: ninguém vai impedir a imprensa de trabalhar, mas o objetivo maior é a seleção. A seleção tem de estar acima"
"Sei que eu tenho de melhorar no contato com as pessoas, com os jornalistas. Talvez na primeira passagem pela seleção, por ser oriundo do futebol e por não ter tido experiência anterior como treinador, tenha focado demais dentro de campo. Sobre os resultados dentro de campo eu não preciso falar muito, mas preciso aprimorar meu relacionamento com a imprensa"
"Acho que as conversas têm de ser para todo mundo ouvir. As pessoas e os seus colegas têm de saber seus pensamentos e sugestões"
O que Dunga quis dizer sobre a relação com a imprensa
Dunga combate privilégios a veículos de imprensa. O técnico chegou a exigir liberdade para fazer isso antes de assinar um novo contrato com a CBF. A postura dele criou vários desgastes na passagem anterior pela seleção – com a Globo, principalmente.
A ideia de isonomia também motivou uma crítica de Dunga a Luiz Felipe Scolari, que teve uma conversa reservada com seis jornalistas durante a Copa e quis ouvir as opiniões desse grupo. É a esse episódio que o novo técnico se referiu quando afirmou que "as conversas têm de ser para todo mundo ouvir". Não funciona apenas como uma prévia do comportamento com a imprensa, mas como um aviso aos jogadores: grupinhos e conchavos não serão tolerados pelo novo comandante.
7 - O que Dunga disse sobre o futebol brasileiro
"Não adianta passar que somos os melhores. Quando o adversário olha para você e você não dribla e não marca, ele faz e não perdoa. A camisa do Brasil vai ser sempre respeitada, mas eles respeitam tanto que jogam sempre para ganhar. Temos a ideia de que o futebol é lindo e fantástico, mas o problema é explicar depois por que perdemos. E em 90 minutos nós temos de resolver tudo"
"O torcedor está machucado, mas continua tendo carinho pela seleção. Vamos conquistar pelos resultados"
O que Dunga quis dizer sobre o futebol brasileiro
Dunga foi até agora a voz mais incisiva na CBF sobre a derrota por 7 a 1 para a Alemanha em jogo válido pelas semifinais da Copa de 2014. Ele não tratou o revés como um "apagão" ou um "episódio", mas como consequência de o futebol brasileiro estar hoje em um nível inferior ao de rivais.
Ao fazer isso, Dunga tenta blindar seu início de trabalho. Em vez de expectativa por uma revolução ou por uma rápida ascensão da equipe, é melhor que a torcida se acostume com o novo nível da seleção.Fonte:Uol