O arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, comentou ao Bocão News, por e-mail, sobre o trabalho do papa e o conteúdo da matéria do La Repubblica sobre pedofilia na Igreja Católica. Neste domingo (13), o jornal italiano teria publicado em formato de entrevista uma conversa entre o fundador do veículo, Eugenio Scalfari, e o papa Francisco, e atribuiu ao pontífice a declaração de que “a pedofilia dentro da igreja atinge o patamar de 2%. Mas muitos na igreja sabem e ficam calados. Eles punem, mas não revelam o motivo”. O Vaticano confirmou que o tema pedofilia e máfia foram abordados, mas questionou a veracidade das declarações em nota, alegando que não teria acontecido transcrição exata a partir de uma gravação. Na opinião do arcebispo de Salvador, tratar de números é uma questão muito delicada.
“Percentagens são sempre muito perigosas. Dou um exemplo: os especialistas em problemas ligados ao alcoolismo repetem continuamente que 10% dos homens são alcoólatras. Na verdade, tais especialistas querem dizer que 10% têm tendência a serem alcoólatras e, se não se cuidarem, alcoólatras se tornarão. Não tenho condições de dizer se tal percentagem [de que 2% dos padres seriam pedófilos] tem fundamento ou não. O que não se pode fazer é chegar num grupo de 100 homens e lhes dizer: ‘10% de vocês são alcoólatras’. Vale o mesmo quando se aborda a questão da pedofilia. Em meus 44 anos de sacerdócio, tive conhecimento de poucos casos de pedofilia no clero. Quando identificados, os sacerdotes envolvidos foram condenados pela justiça civil e excluídos do clero pela Igreja”, disse Dom Murilo Krieger.
Em sua opinião, o desafio é detectar os casos e impedir que pessoas com tendência a pedofilia se tornem sacerdotes. “Na verdade, se alguém procura o sacerdócio e tem tal tendência, não é porque fica sacerdote que tal tendência desaparece. O mesmo acontecerá se se tornar médico, advogado ou professor universitário”. Os valores da sociedade, segundo o arcebispo de Salvador, não são desvinculados automaticamente das pessoas ao entrar na igreja. “Os jovens que nos procuram para ‘ser padre’ são de nossas comunidades, de famílias de nossas paróquias, são pessoas que vivem em nossa sociedade. Quando nos procuram, eles trazem consigo os valores dessa sociedade e, também, tudo o que há de negativo nela. Muita coisa negativa que trazem consigo pode ser superada pela educação, pela apresentação de elevados ideais, pelo ensino do autodomínio - enfim, pela mensagem do Evangelho, que propõe a todos nós uma contínua conversão. Outras limitações, defeitos ou tendências não se consegue eliminar”, acredita.
A conversão, a seu ver, deve ser integral, e não apenas nas aparências. “Pior ainda é quando uma pessoa se esforça para camuflar suas limitações e se comporta externamente de forma correta, sem ter a verdadeira intenção de mudar de vida. Tal pessoa pode chegar a ser ordenada. Mas como não houve a conversão de seu coração, é só haver oportunidade que suas tendências se manifestarão. Entende-se, pois, porque Jesus combateu tanto os fariseus (= seita no tempo de Cristo): eram pessoas que procuravam exteriormente demonstrar santidade, mas que tinham um coração pervertido”.
A seu ver, o pontificado do papa Francisco pode ser resumido em três palavras: simplicidade, misericórdia e coerência. “Simplicidade: ele é simples, objetivo e claro. Sabe aonde quer chegar e tudo faz em vista de tal meta. Por isso mesmo, consegue se relacionar com todo tipo de pessoas, pois diz o que pensa e valoriza o que o outro pensa e diz, mesmo que não concordando com todas as ideias de seu interlocutor. Misericórdia: o papa Francisco tem chamado a atenção do mundo para a proposta misericordiosa de Cristo, para sua infinita capacidade de perdão. Quem faz uma forte experiência da misericórdia, sente necessidade de corresponder, com amor, a quem foi misericordioso consigo. Coerência: não se pode ensinar uma coisa e viver outra. Dou um exemplo: um professor de Matemática pode ser um excelente professor dessa matéria e, em casa, ser um péssimo esposo e pai. Ele continuará sendo um excelente professor de Matemática. Já um ministro do Evangelho que não viver o que ensina, é um péssimo ministro do Evangelho. Todos os discípulos de Jesus são chamados a ler a Palavra de Deus, a colocá-la em prática e aquilo que tiverem colocado em prática, são chamados a ensinar. O papa Francisco é e vive assim”.Fonte:Bocão News