Na minha coluna na Folha desta sexta, escrevo: “Tanto Paulo Roberto Costa como Youssef afirmam que o esquema da Petrobras era apenas uma das cabeças da hidra. É claro que a empresa não reúne condições particulares para ser tomada por uma quadrilha. Vigoram ali as condições estruturais presentes nas demais estatais e na administração. Logo… Até hoje ninguém se dispôs a me explicar por que um partido político reivindica a diretoria de operações de uma estatal. Com que propósito?”
Muito bem! Ao negar o pedido de revogação da prisão preventiva de Gerson de Mello Almada, vice-presidente da empresa Engevix, que está na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o juiz Sérgio Moro afirmou haver indícios de que “os crimes transcenderam a Petrobras”, classificando de “perturbadora” uma tabela apreendida em março com o doleiro Alberto Youssef. Ela traz uma lista com 750 obras públicas de infraestrutura. No papel, constavam “a entidade pública contratante, a proposta, o valor e o cliente do referido operador, sendo este sempre uma empreiteira”.
Pois é. O alerta que fiz na coluna da Folha não é o primeiro. Há tempo afirmo aqui que a Petrobras é apenas uma das franjas da organização criminosa que tomou conta do país. Como é que a gente coíbe a roubalheira? Se vocês querem saber, severas as leis até que são. O problema está na lentidão com que são aplicadas e na forma de organização do estado brasileiro.
Eis a palavra-chave para abrir as portas do enigma: estado. A corrupção não é nova no Brasil nem foi inventada pelo PT. Criadas as condições ideais, estejam certos, ela floresce em qualquer lugar: no Brasil, na Somália ou na Suécia. São as instituições e a certeza da punição que contêm os maus apetites humanos.
Vamos pensar de maneira lógica, uma dificuldade frequente no Brasil. E se a Embraer ainda fosse estatal? Resposta: ela estaria tomada pela máquina corrupta. E se a Vale ainda fosse estatal? Ela estaria tomada pela máquina corrupta. E se a telefonia ainda fosse estatal? Ela estaria tomada pela máquina corrupta. Vale dizer: mais estatais, mais poder aos corruptos. A relação é direta.
Sim, claro! Além das disposições objetivas — as tais condições —, é preciso que haja um partido que faça da corrupção um método, uma categoria de pensamento, um norte ético. A corrupção atinge proporções inéditas no país porque, nos 12 anos do mandarinato petista, o estado, mesmo sem aquelas empresas privatizadas em governos anteriores, passou a ter uma presença na economia só comparável à que havia no regime militar — que, todos sabemos, era essencialmente menos corrupto, o que não quer dizer que fosse desejável em muitos outros aspectos. É que a moral dos quartéis é mais severa do que a dos políticos.
Não se agiganta o estado impunemente. Acreditem: mesmo quando administrado por homens individualmente honestos, ele passa a atender a interesses de corporações, de grupos de pressão, de voluntariosos organizados que reivindicam para si o direito de comandar os destinos do país.
Se Dilma realmente quisesse deixar uma herança virtuosa, se tudo não passasse de embromação para fazer passar o tempo, se tivesse, de fato, a disposição de moralizar a vida pública, como prega em discursos, ela começaria o seu período de reformas não pela política, mas pela administração: profissionalize todos os postos das estatais, reduza os cargos federais de livre nomeação à sua dimensão mínima e reinicie o programa de privatizações. Começando pela Petrobras.
Vamos lá, Dilma, deixe a esquerda raivosa e a direita perplexa, como disse Collor um dia — só que sem a farsa! É claro que estou fazendo uma ironia. Não vai acontecer. Só estou evidenciando que o Brasil tem jeito. O que não tem jeito no país é a canalha que se apossa do bem público em proveito próprio. E ela é ainda mais safada quando alega fazer isso em nome de uma ideologia.
Por Reinaldo Azevedo(Veja)