Com a extinção da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), anunciada pelo governador Rui Costa (PT) na reforma administrativa estadual, o secretário de Desenvolvimento Rural, Jerônimo Rodrigues, garante que os mais de 1.200 servidores da empresa terão direitos trabalhistas assegurados. Em entrevista ao Bahia Notícias, o titular da pasta analisa o cenário encontrado na área rural da Bahia e os desafios enfrentados por sua gestão na Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR). “A estrutura da secretaria vai permear todo o estado. Vamos ter nos 27 territórios de identidade da Bahia uma representação da secretaria”, afirmou Rodrigues.
Secretário, a pasta é relativamente nova para o estado. Qual foi a realidade encontrada na área rural da Bahia?
Eu prefiro, antes de falar da realidade, falar da decisão do governador. Até para justificar a situação que nós encontramos. A decisão do governador é de organizar o conjunto das políticas públicas para atender às demandas da agricultura familiar, da reforma agrária, dos povos e comunidades tradicionais e quilombolas do estado da Bahia. Já existia um conjunto de ações, uma superintendência, existia a CAR [Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional]. E todos esses órgãos já faziam ações. Mas faziam de forma, não diria pulverizada, mas não estava centralizada em um único local. A tomada da decisão vem por conta de dois números importantes. A Bahia é o estado com o maior número de população rural. A Bahia detém 4 milhões de pessoas morando no campo. É o estado da federação com maior população rural. O segundo é o número de agricultores familiares. Por isso a decisão de criar uma secretaria. Nós temos 700 mil propriedades de agricultura familiar. É o estado com o maior número de agricultores familiares da nação. Então, essas são as justificativas pelas quais ele considerou necessário se criar uma secretaria, uma institucionalidade. E sobre como eu encontrei... Temos um cenário, primeiro, como em todo o país, com algumas dificuldades de acesso a tecnologias, por exemplo. Temos uma agricultura dinâmica, uma agricultura familiar que gera 70% da alimentação do país e do estado. Uma agricultura que gera um pouco mais do que isso de ocupação. Ou seja, quem está no campo, que trabalha, está vinculado à agricultura familiar. É a área que mais ocupa pessoas. Esses dois números dizem respeito a importância da agricultura familiar no PIB da Bahia, no PIB da agricultura. Na economia como um todo. Seja no emprego, seja na produção de alimentos. Por que a produção de alimentos baratos reduz o custo da cesta básica. E isso reduz a inflação. Veja, é a agricultura familiar, pequena, antes vista como “de pobre”, hoje não mais pensada dessa forma, influenciando elementos da macro economia. Seja da inflação, do desemprego, seja da produção de matéria prima. Nós encontramos um setor produtivo, estratégico, importante, mas com pouco acesso à inovação tecnológica, à ciência e tecnologia. Ainda temos, por mais que o governador Jaques Wagner tenha feito, um mundo rural com dificuldades de acesso à energia, à água, à telecomunicação. Tem ainda, por trás disso, um cenário muito importante que é a organização política dos agricultores familiares. Nós temos movimentos a exemplo do Movimento Sem Terra (MST), Federação de Agricultores Rurais como a FETRAF, FETAG, cooperativas de crédito, redes da economia solidária. Então, há uma organização deles, dos agricultores. Tanto do aspecto político, de defesa dos direitos trabalhistas e etc., como também organização produtiva, econômica... Então é um cenário que, se por um lado tem um fator positivo, tem por outro lado o setor de dificuldades.
Seriam essas as demandas do setor?
Perfeitamente.
Além dessas, você poderia listar o que a sociedade tem pedido para a secretaria?
O tema da reforma agrária, da regularização fundiária é o tema principal. Tudo surge a partir do o acesso à terra. O tema terra não é fácil de ser tratado. O tema da reforma agrária por muito tempo foi partidarizado... Precisamos rever o lugar da reforma agrária como um instrumento de desenvolvimento. Quem é da zona rural, quem é da roça, do campo sabe o que é ter o título da terra. Quem mora na cidade sabe o que é ter o título da casa. Quem mora na zona rural quer ter o título da terra. Nós temos ainda um número significativo, no país e na Bahia, de pessoas que precisam ter acesso à terra. O tema da habitação rural é uma demanda também muito forte. Nós temos ainda uma demanda por habitação rural muito grande na Bahia. E, nós, com o programa Minha Casa Minha Vida, com a ação da Sedur [Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano], a intenção é enfrentar esse tema. Até pra habitar, para morar, é difícil. A não ser quando você mora com seus pais. O tema da água é outro bastante importante. E a gente está vendo aí em todo o estado, em todo o país, a dificuldade que é o tema da segurança hídrica. Tanto para consumo humano como para produção, para alimentação animal. Para irrigação então o tema da água é muito caro, e um tema que não é só do semiárido. Ele é mais duro no semiárido, mas todo o estado sofre com o tema da água para produção e até para consumo. E até alguns casos para produção é difícil, porque se você pega uma região com água muito salobra ou salinizada, ela vai dificultar a produção. O outro é de infraestrutura, de estradas. Tem muita demanda por isso, estradas vicinais. As estradas BAs e BRs do governador Jaques Wagner, de Dilma e Lula fizeram muito, mas as estradas vicinais, que é uma responsabilidade do município, são as estradas que cortam os municípios por dentro, e a gente precisa fazer um bom investimento. Além disso, o tema do mercado talvez seja um dos mais difíceis, porque muitos agricultores estão preparados para comercializar, vendendo para alimentação escolar, para o governo... A gente está se esforçando bastante para agroindustrializar, ajudar a fazer uma agroindústria. O governador Rui Costa criou uma superintendência que vai cuidar da assistência técnica, que vai chegar até o agricultor com as informações, capacitações e orientações técnicas para produzir melhor, para produzir mais, para viver melhor no campo. É uma demanda muito latente na pauta do movimento: reforma agrária, água, assistência técnica e comercialização. Diria que esses quatro são os mais fortes.
E a SDR tem pensando o que para suprir essas necessidades?
Reforma agrária é um tema que vamos colaborar bastante. Mas é uma responsabilidade maior do governo federal, da União. Nós temos uma parceria para poder cadastrar as famílias, para fazer crédito fundiário... O tema da água, o governador Rui Costa, da mesma forma, colocou em nossas mãos, na secretaria, para, em parceria com o governo federal, levar às propriedades rurais a maior quantidade de água para produção. Seja em forma de barragens, em sistemas simplificados ou nas próprias cisternas... Há uma conjunto de tecnologias para garantir isso. É o governo federal quem tem aportado o maior volume com o Pronaf, e nós queremos fazer continuar a parceria com o Banco do Nordeste, Banco do Brasil, para tratar do tema do crédito. E temos ainda o tema da comercialização. Nós temos recursos para agroindústrias. Inclusive na parte de comercialização, além de capacitação, temos condições de fazer ou apoiar as prefeituras, os movimentos, com a construção de mercado, aperfeiçoamentos de mercados, centrais de comercialização. Entendendo que estamos numa situação de crise fiscal, mesmo assim há ainda para 2015 uma deliberação do governador para que a gente possa fazer dentro da demanda especificada.
O senhor falou que existe um problema estrutural na área rural aqui do estado. Podemos ver no noticiário que algumas necessidades básicos não chegam a essas pessoas. O senhor mencionou a questão da água, existe também problema de desenvolvimento escolar nesses municípios menores. De que forma a secretaria pretende resolver isso? Propor parcerias com consórcios, com outras secretarias? Como é que anda essa articulação?
Está muito claro que a secretaria é uma secretaria de desenvolvimento econômico. A função nossa é apoiar a agricultura familiar, na geração de renda, melhoria da renda familiar, na melhoria do PIB rural da Bahia. É um papel importante e claro para nós. Por outro lado, a gente não faz desenvolvimento rural, não consegue manter o homem e a mulher no campo produzindo, se não tivermos uma estrutura mínima de educação para a juventude, para os filhos daquela família. A gente não consegue manter se não tiver um acesso a um sinal de TV, a um sinal de telefonia celular. Não conseguimos se não tiver uma boa aproximação com a rede pública de saúde. Não dá para a gente criar hospitais e postos de saúde que tenham uma distância mínima para qualquer necessidade. Aquela família que está servindo no campo quer condições de acesso facilitado de alguns serviços públicos. Temos que fazer uma rede de parcerias ou rede de relações. E o governador já determinou que quer um governo em que as caixinhas dialoguem com as outras pra ter uma política um pouco mais articulada. A determinação é que a gente possa manter essa linha, não só com as secretarias outras do governo do estado, mas com governo federal que já atua com esse público na zona rural.
Em uma entrevista recente, o senhor afirmou a necessidade de parcerias com os consórcios territoriais e públicos, secretarias estaduais, prefeituras, universidades, instituições de pesquisa e entidades da sociedade civil. Essas entidades estão abertas para parcerias pelo desenvolvimento rural do estado? Há alguma dificuldade nesse começo de gestão?
A estrutura da secretaria vai permear todo o estado. Nós vamos ter nos 27 territórios de identidade da Bahia uma representação da secretaria. Estamos chamando de Setaf, que é o Serviço Territorial de Atendimento a Agricultura Familiar. Quem vai ficar ali são pessoas, profissionais, técnicos da assistência técnica, profissionais da CAR, representantes também de outras secretarias como a Adab, Bahia Pesca... A nível municipal estamos criando o Semaf, Serviço Municipal de Agricultura Familiar. E não tem dificuldade nenhuma, muito pelo contrário. Os consórcios e colegiados estão contentes com essa ação territorial. Mesmo a gente não tendo formatado prontamente o desenho definitivo, já existe uma demanda muito grande de prefeitos e prefeitas, de movimentos sociais querendo fazer esse pacto. Não tem resistência, pelo contrário, há uma demanda e apoio muito forte dessas representações de consórcio, colegiado, sindicato, associações de cooperativas, prefeituras, câmara de vereadores... Daqui de Salvador a gente fica muito longe. Essa secretaria o governador entende como sendo a secretaria do interior. Por mais que a gente tenha agricultura urbana numa região metropolitana como Salvador, o forte da agricultura familiar no estado é no interior dos municípios. A intenção é percorrer do extremo sul, ao norte, ao oeste, tentando levar com maior rapidez esse tipo de serviço.
Nos últimos quinze dias foram adquiridos cerca de 15 milhões de reais em sementes. O que a secretaria pretende fazer com elas? Distribuir para pequenos agricultores?
Nós ainda temos uma deficiência que é a necessidade do estado distribuir sementes. A intenção é superar isso, criar uma rede de banco de sementes no interior do estado para que o agricultor não fique refém. Estamos distribuindo sementes até que as comunidades, os municípios tenham condições de autossuficiências. E com outra atenção: as sementes que nós distribuímos são sementes limpas, não são transgênicas. Isso é importante para manter a qualidade, a independência do agricultor familiar do conjunto de insumos. Quando você compra uma semente produzida em laboratório, você tem que usar determinado tipo de adubo, um determinado tipo de veneno. E a gente não quer isso. A gente quer esse tipo de insumo da agricultura familiar que ele é limpo. Nosso exercício é para criar autonomia. O governador vai fazer uma entrega dia 16, em Feira de Santana. Uma simbologia de entrega, mas a semente já está rodando, para que a gente possa pegar as chuvas de março ainda. As chuvas de São José. É claro que a gente não consegue cobrir com uma quantidade ideal. Por isso é importante a construção de uma política de banco de semente.
Então não existe uma meta para encher esse banco de semente?
Cada comunidade autogerencia a sua produção e o seu uso. A política que estamos construindo ainda é de transição. Transição agroecológica. Para sair dessa coisa de mercado e a comunidade ter suas próprias plantas nativas, semente... isso tanto acontece com sementes de plantas como de animais. A semente animal é um caprino novo, é um bezerro novo que a gente possa distribuir para que ele possa melhorar a genética. Por enquanto nós estamos tratando semente de planta, de feijão e de milho, mas a intenção nossa é continuar com a política de distribuição de animais para recompor o rebanho. Nós perdemos muito, muitas cabeças de caprino, de bovinos, e a intenção é recompor esse rebanho. Que não é de um ano pra o outro. Isso é lento. A seca não passou ainda. Nós temos ainda municípios no estado da Bahia em situação de emergência. É possível que a gente passe ainda em 2015 um período de algumas regiões terem dificuldades. Outras choveram bem, mas não houve chuva para recompor os nossos lençóis freáticos e águas mananciais para as próximas safras.
O senhor falou sobre a seca em algumas cidades do estado. De que modo a secretaria o estado pode interceder e ajudar esses municípios a se recuperarem, a pelo menos amenizar a situação?
Água em qualquer região do estado para consumo humano não tem tanta dificuldade. Possivelmente a dificuldade vai ser para produção. Se uma região de Juazeiro falta água, as indústrias saem de lá, os serviços como hotéis, serviços cultural saem. O governador Rui Costa fez um conjunto de ampliação dos sistemas de adutoras em todo o estado. A gente esteve em Brasília numa reunião no Ministério da Integração Nacional para discutir a questão do Canal do Sertão, que vai pegar a ponta ali de Juazeiro para trazer até Pedras Altas e depois trazer a Bacia de Jacuípe, perto da região de Riachão. A ação concreta para essas regiões são cisternas, barragens, poços e principalmente sistemas simplificados de água. São as questões básicas para o enfrentamento com regiões de seca.
Em curto prazo teria algo que pudesse ser feito?
A curto prazo, na gestão do governador Rui Costa, é fechar o ciclo do Canal do Sertão. Com isso a gente traz pra região uma capacidade muito grande de investimento. Essa água não é para irrigar. É água para dessedentação animal, ou seja, para os bichos beberem. Não é pra produção de forragens ou de capim, é para indústria. Nós temos barragens importantes a serem feitas, como barragem na região de Conquista.
Foi publicado que Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) está em fase de extinção, o que vai ser feito com esses funcionários?
A principal justificativa do governador Rui Costa é inovação. Garantir o serviço de assistência técnica. O que está se movimentando é a forma como a gente entrega esses serviços. A nível federal foi criado a Anater, é a Agência de Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. O governador Rui Costa, acompanhando a política nacional, resolveu criar a Bahiater. Temos a preocupação de manter os serviços, de ampliar e de qualificar os serviços. A diferença é que na EBDA, a empresa baiana, o governo executava os serviços. Nós temos cerca de 200 pessoas para fazer serviços. Nós continuamos com papel de financiador. Agora, quando extinguir a empresa você tem a sensibilidade e dureza do governador que é sindicalista de tratar aquela massa falida de patrimônio. O que fazer com o patrimônio? Vamos continuar utilizando das fazendas experimentais em formato diferenciado... Então tem um patrimônio, que vai desde fazenda sede que a gente vai dar um uso pra Bahiater. Os serviços essenciais não foram parados. Vamos ampliar os serviços. Temos um conjunto de profissionais qualificadíssimos, por sinal a EBDA tem uma história muito rica na agricultura da Bahia, seja pra fazer análise, acompanhar chuvas nas estações meteorológicas, seja para tratar do tema de laticínios, de frigorífico... Tem todo um arsenal de trabalhos que a EBDA fazia e que deu um know-how à Bahia de primeiro lugar em várias coisas. Esses profissionais de qualidade vamos aproveitar na Bahiater, na SDR, em algum lugar.
Não vai ser a totalidade de funcionários da EBDA então?
Temos das 1.220 pessoas hoje da EBDA, um conjunto que são Redas. Então só ai é uma quantidade significativa. Temos um conjunto de funcionários já aposentados. Temos 271 pessoas que não estavam aptas a aposentar por conta do tempo de serviço ou de idade. Numa extinção tem demissão. Vai haver demissão. Aqueles que tiverem interesse em continuar, vamos ver se tem alguma forma. O governador quer uma maneira de que eles não possam ficar padecendo no sentido de questões salarias, da previdência. Estamos procurando forma de disponibilizar uma relação contratual com segurança jurídica. O governador não abre mão de tratá-los com reconhecimento.Fonte:Bahia Noticias