Depois de cinco meses de atraso, a divulgação do balanço auditado da Petrobras referente ao terceiro trimestre e ao ano de 2014 trouxe certo alívio ao mercado. No entanto, a reconquista da credibilidade está longe de ser alcançada. Superado o risco da antecipação do pagamento de empréstimos por credores, agora o mercado espera uma empresa mais enxuta, focada e com melhor gestão. Tragada pelos desmandos descobertos na Operação Lava Jato, a Petrobras deve apresentar, acima de tudo, medidas de transparência que tranquilizem credores, além de uma profissionalização de seu conselho de administração e menos ingerência por parte do governo. Mudanças no modelo de exploração do pré-sal, que atualmente correspondem ao modelo de partilha, e na política de conteúdo nacional, por exemplo, seriam bem recebidas. Mas isso é só o começo.
No total, a Petrobras confirmou nesta quarta-feira perdas de 50,8 bilhões de reais decorrentes dos desvios apurados na Lava Jato. O número veio bastante acima do teto de 28 bilhões de reais, especulado anteriormente pelo mercado, mas abaixo dos 88,6 bilhões de reais levantados em uma das metodologias que acabou desagradando à presidente e colocando na linha de frente a ex-presidente Graça Foster, que rapidamente deixou o cargo. A maior parte deste montante de 50,8 bilhões de reais foi decorrente da reavaliação no valor dos ativos (impairment), calculada em 44,34 bilhões de reais. A outra parte, de 6,2 bilhões de reais, diz respeito, especificamente, a perdas com corrupção.
No caso da corrupção, o número ficou dentro das estimativas do mercado. "A maioria dos analistas falava em perdas torno de 5 bilhões de reais. A metodologia, que era a maior preocupação, não apresentou nada de novo", afirmou Daniel Marques Pereira, analista da Gradual Investimentos. A Petrobras explicou que listou os 31 contratos firmados por 27 empresas citadas nas investigações, entre 2004 e 2012, e aplicou o porcentual de 3% de propina sobre todos os pagamentos feitos.
Já o prejuízo com a reavaliação no valor ativos, devido a problemas de gestão e a variáveis de mercado - como câmbio, queda do preço do petróleo e demanda por combustíveis - destoou ante o esperado - falava-se em um teto de 20 bilhões de reais. Segundo Pereira, o valor elevado pode ser explicado pelo fato de o impairment ter sido calculado de uma só vez. "A maior parte dessas perdas são relacionadas às refinarias de Abreu e Lima, em Pernambuco e do Comperj, no Rio de Janeiro. Ouvimos críticas sobre o valor orçado para esses empreendimentos há anos, e a Petrobras nunca tinha se movimento para fazer o cálculo delas", disse. No caso do Comperj, a perda foi estimada em 21,8 bilhões de reais, e de Abreu e Lima, 9,1 bilhões de reais.
Para Celson Plácido, analista da XP Investimentos, o valor com a reavaliação de ativos é um ponto de destaque, pois reflete o planejamento falho que houve em empreendimentos importantes para a empresa. "Quase 90% do valor das perdas pode ter sido reflexo de má gestão. Claro que dentro doimpairment há outras variáveis, como dólar, preço do petróleo, etc. Mas, como eles não abriram os dados, não pudemos saber a quantia exata do que provocou que tipos de perdas", afirmou.
Números - Entre os dados apresentados, a Petrobras também reportou um prejuízo líquido de 21,6 bilhões em 2014, contra um lucro de 23,6 bilhões de reais em 2013. Foi o primeiro resultado negativo desde 1991, quando a estatal apresentou perdas de 92 mil reais, em dados ajustados pela consultoria Economática. Especificamente no terceiro trimestre, o prejuízo foi de 5,33 bilhões de reais.
Para os analistas, esses números ficaram em segundo plano, já que o que estava no foco do mercado eram as perdas causadas por desdobramentos da Lava Jato. "No geral, a companhia não apresentou resultados ruins. A receita do Ebtida ((lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) veio, inclusive, melhor do que as expectativas de mercado. Mas as perdas da Lava Jato ofuscaram outros números", apontou Marques, da Gradual.
Futuro - O principal desafio da petroleira, agora que o pior já passou, é o foco na geração de caixa, ou seja, na forma com que administrará seus investimentos. Em um prazo 30 dias, a companhia espera apresentar seu plano de negócios para o período de 2015 a 2019, que deverá reduzir os investimentos previstos. Será priorizada a área de exploração e produção de petróleo e gás, que é o segmento mais rentável da estatal.
Adicionalmente, a petroleira anunciou no mês passado a aprovação de um plano de venda de ativos de 13,7 bilhões de dólares para o biênio 2015 e 2016, visando à redução da alavancagem, preservação do caixa e concentração nos investimentos prioritários. "Mas algumas perguntas que ainda ficam no ar são: quais exatamente os ativos a companhia pretende vender? Mudará o modelo de partilha? Dentro das perdas com impairment, o que foi resultado de má gestão? E o que foi, resultará em demissões de pessoas responsáveis?", questiona Plácio, da XP.
Pereira, da Gradual, também cita a importância de ter nomes reconhecidos pelo mercado no Conselho de Administração, e não indicações políticas, principal marca dos diretores que comandaram a empresa durante a gestão Graça. "Ainda há muito a ser feito no sentido de acabar com a ingerência do governo, ter profissionais gabaritados no conselho, e investir na área de risco e compliance", complementa Álvaro Bandeira, da Órama Investimentos.
No mercado de ações, segundo os analistas, os papéis da empresa devem continuar voláteis. Após a divulgação dos números, o mercado deve se pautar pelo que vier a ser discutido na teleconferência com investidores, marcada para esta quinta-feira, a partir das 11h.Fonte:Veja