A política brasileira, eu já disse aqui, virou caso de polícia. Hoje, os destinos do país estão sendo decididos mais em repartições da PF e do Ministério Público Federal do que no Congresso ou no Palácio do Planalto. O otimismo tolo diz que assim é porque agora se investiga mais. O realismo prudente sabe que assim é porque se rouba mais. Quadrilhas se apoderaram do estado, de seus entes e de suas franjas a serviço de um poder que não é mais projeto. Felizmente, já é um arranjo em desconstituição.
O mais curioso, ou nem tanto, é que as posições não mais se distinguem. Empresários notoriamente conservadores, por exemplo, que jamais tiveram — ou teriam, em condições normais de temperatura e pressão — simpatia pelas esquerdas se tornaram notáveis parceiros do PT. Alguns atuam como seus serviçais, embora todos saibam que não existe parceria gratuita nessa área. O que são o mensalão e o petrolão senão a combinação perversa das piores práticas do setor privado com as mais asquerosas pilantragens do setor público?
Atenção! Embora a ladroagem que se constata tenha se imbricado com o financiamento de campanha, é evidente que existiria sem ele. Essa é apenas uma das áreas que foram capturadas pela bandidagem. Atribuir as falcatruas à lei que permite o financiamento de campanhas eleitorais por empresas corresponde a falsear a realidade, a mentir. Tal afirmação desafia os autos do mensalão e do petrolão. Tal tese, não custa lembrar, foi sacada da algibeira por Arnaldo Malheiros, advogado de Delúbio Soares.
Hoje, meus caros, um verdadeiro pânico toma boa parte dos grandes empresários brasileiros. Eles temem que as empresas sejam proibidas de fazer doações legais a campanhas eleitorais, como quer a Ordem dos Advogados do Brasil, o que empurraria o financiamento das eleições para a clandestinidade. Conhecendo como conhecem os bastidores da política, estão certos de que, aí sim, passarão a ser alvos de chantagem. Dado o tamanho do estado brasileiro, o sistema político terá como criar dificuldades para vender facilidades.
Muito bem! Essa questão está em debate no Supremo. A OAB apelou a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para declarar ilegal a doação de empresas. O ministro Gilmar Mendes pediu vista, e a questão, por ora, está congelada. Na quinta passada, ele concedeu uma palestra no Instituo Legislativo Brasileiro. E disse mais do que o óbvio: cabe ao Congresso, não ao Supremo, definir a forma de financiamento. Sugeriu que o Poder Judiciário calce as sandálias da humildade para reconhecer a competência específica do Legislativo.
Considerou ainda: “Não podemos falar em financiamento público ou privado sem saber qual é o modelo eleitoral, se vai ser modelo majoritário, proporcional, em lista. Isso não é competência do Supremo, é do Congresso”. Na mosca! Como é que se vai definir o financiamento de um sistema que se ignora?
O ministro fez outra advertência: proibir o financiamento de empresas e permitir o de pessoas físicas corresponde a encomendar um “verdadeiro laranjal”. Muitos não entenderam a metáfora. Explica-se: uma das teses influentes é estabelecer um valor máximo para a doação de indivíduos, o que a todos igualaria. Bem, há duas piadas macabras aí:
a: essa lei, então, igualaria bilionários e miseráveis; vai ver é essa a tão sonhada justiça social das esquerdas;
b: milhões de pobres acabariam cedendo seu CPF para lavar doações previamente captadas pelos partidos. É esse o laranjal a que Mendes se refere.
Adicionalmente, é claro que o sistema teria de recorrer ao financiamento público de campanha, o que oneraria ainda mais o Tesouro. Não! A roubalheira que há no Brasil sequestrou também o financiamento de campanha, mas não existe por causa dele. Seria o mesmo que sugerir que as ditaduras estão livres da corrupção. Estão?
Essa conversa do financiamento de campanha só se tornou influente porque o petismo e suas franjas — onde se encontra, infelizmente, a OAB — tentam convencer que o partido não é culpado pelas falcatruas que praticou.. Seria tudo culpa do sistema.
Uma ova!
Por Reinaldo Azevedo(Veja)