Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgados em 2014, chamam a atenção de governos para o suicídio, considerado “um problema de saúde pública” que não é tratado e prevenido de maneira eficaz. Segundo a OMS, mais de 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos no mundo, e o Brasil é o oitavo país em número de suicídios.
Esses casos chocam não só familiares e amigos de quem comete o ato, mas as pessoas de um modo geral, que tentam entender o que leva alguém a tirar a própria vida. Para falar sobre o assunto, o psicólogo Ary Nepote e também a presidente do Sindicato dos Jornalistas, Marly Caldas, estiveram no programa Acorda Cidade, onde esclareceram algumas questões sobre a abordagem jornalística do suicídio e os fatores que podem levar uma pessoa a cometer o ato.
Acorda Cidade: O que leva uma pessoa a cometer suicídio? A psicologia explica?
Ary Nepote: Vivemos atualmente um tempo de sobrecarga, que desenvolve muito nas pessoas o enfraquecimento dos vínculos sociais e afetivos, produzindo, em consequência, uma individualidade, competição e agressividade. Esses fatores enfraquecem os vínculos, diminuem a afetividade nas aproximações imediatas, que são os membros de uma família, enfraquecendo o desenvolvimento das estruturas da personalidade de uma criança e de um adolescente para suportar esses momentos de sobrecarga. O apego e a necessidade de carinho provocam uma angústia natural na criança quando ela busca esse apego na direção dos pais. Essa angústia que essa necessidade provoca só é controlada quando os pais se aproximam e se fazem presentes na vida dela. Administrando essa angústia, portanto, e suprindo essa necessidade de afeto, fortalece a criança, em termos psíquicos, e a estrutura dessa personalidade que o fortalece para enfrentar as diferenças, a sobrecarga e as dificuldades que a vida vai oferecer.
AC: Então é uma coisa que vem desde criança?
Ary Nepote: Sim, vem lá de baixo. A dependência da criança quando está no útero de uma mulher é completa. Essa criança está automaticamente satisfeita em suas necessidades. Ao sair, cria-se uma distância entre a satisfação dessa necessidade e o acudimento da mesma. Essa distância é que vai produzindo e fazendo acontecer os impulsos emotivos primitivos como raiva, ódio, agressividade. Na medida em que esse aconchego se torna, de alguma maneira, cuidadoso, a mãe demonstra um amor no tipo de atendimento dessas necessidades, a criança se fortalece na confiabilidade dos seus vínculos com o mundo. O enfraquecimento desse tipo de aconchego no início da vida predispõe a uma espécie de enfraquecimento da confiança e consequentemente da afetividade que, de certo modo, intenciona seu gesto com a vida.
AC: O suicídio é motivado pela depressão?
Ary Nepote: O processo de viver é um vínculo que se estabelece na relação entre criança e os pais ou seus cuidadores. É um processo lento e contínuo, pois depende de duas condições para que tal ocorra. Primeiro é o estabelecimento de limites, que é realmente adequado a essa aproximação, esse cuidado que os pais têm com os filhos no tocante a regras e normas. A segunda, é justamente o estabelecimento de datas, é saber esperar. O prazer real só ocorre na vida quando sou capaz de esperar pelo objeto desejado. A expectativa que desenvolvo nessa espera me causa mais prazer do que realmente a consecução do fato. Isso se chama desejo. A maior herança que os pais deixam para os seus filhos é exatamente essa proposta do desejo de intencionar seus gestos com prazer para obter na realidade a satisfação do viver. Quando isso falha em função de acontecimentos históricos da própria vida do indivíduo, há uma empatia, de desânimo, desse íntimo com a realidade. Esse enfraquecimento desmotiva o indivíduo a viver, pois ele atribui o seu sofrimento à vida e busca a compensação numa proposta do encontro com o eterno, que é a morte.
AC - O que causa a depressão?
Ary Nepote: É uma deficiência do amor próprio, do autoconhecimento que o indivíduo possui com relação a se encontrar em função das falências que essa pessoa já traz de abandono, de dificuldade, de satisfação dessa angústia de apego que ele demonstrava quando criança ou adolescente e que as famílias não cuidaram disso. Hoje a grande parte dos pais é queixosa e demonstra uma intranquilidade em relação aos objetivos de vida. Um exemplo é no trânsito, onde alguns pais com os filhos cometem delitos. Depois qual é o tipo de proposta que ele oferece para dar limites a essa criança? Esses acontecimentos afetam não só a credibilidade no investimento ao outro, como até a própria proposta de autoestima, pois enfraquece quando você percebe que o cuidado que deveria ter não é adequadamente ministrado pelo modelo que você tem, ou pelo cuidador que lhe está próximo.
AC: Sempre se falou em depressão, mas porque está aumentando muito?
Ary Nepote: No século passado fizemos tudo, falamos tudo. Atualmente há muito mais rearranjo do que criatividade. Isso inibe a proposta afetiva de intencionar gestos completos na direção do outro. Existe uma terapia fundada por uma escola americana por um grupo de psicólogos, chamada terapia do abraço e eles adéquam os familiares a tipos diferentes de abraços, para que possa existir a aproximação, o aconchego, para ver se supre com isto, a alma, que é carente de afeto. Em uma época de sobrecarga, como vivemos, onde o individualismo se torna bastante intenso, a competição é algo exagerado e consequentemente a agressividade surge e é obvio que a confiança no outro fica prejudicada.
AC: Como o jornalismo lida com a informação do suicídio?
Marly Caldas: É bastante delicado. Durante muito tempo a imprensa se calou. Parece que houve um consenso de que não se deveria divulgar em respeito à dor, a uma possível culpa de alguém, em respeito à família. Inclusive os manuais de imprensa dos grandes grupos de comunicação se calam ou aconselham evitar noticiar casos de suicídio. Só que isso não é um consenso entre a imprensa geral e, por exemplo, psiquiatras ou psicólogos. O trabalho da imprensa é informação e tem que ser dada com ética, precisão e com respeito à sociedade. O que a gente pensa é que a notícia tem que ser dada, porém com responsabilidade. A questão não é dar a notícia e sim a forma como ele deve ser dada. Temos uma função social muito importante de formação da sociedade. Da mesma forma que podemos contribuir para ajudar com aspectos positivos, podemos também prejudicar, dependendo da forma como essa informação é passada. Qual é a solução? É ter a preocupação de passar a notícia com técnica e ao mesmo tempo saber que do outro lado as pessoas querem, além da informação, conforto. É pra isso que a gente tenta preparar o profissional de imprensa, para que saiba adequar a notícia para a sociedade e, além disso, levar um debate sobre causas e consequências.
AC: Casos de suicídio podem influenciar outros?
Ary Nepote: O suicídio é a maneira ilusória de eliminar uma dor. O ideal é a pessoa procurar terapia, auxílio, procurar pessoas e isso deve ser dito ao indivíduo que sofre disso.
Marly Caldas: Aí entra a função da imprensa, que é direcionar para esses tratamentos, através de matérias, que além de dar informações sobre o suicídio, direciona para a prevenção. Esse papel da imprensa é fundamental, já ajudou muita gente e continuará ajudando. A partir do momento que se trata um fato com responsabilidade, com ética, com respeito ao cidadão e à comunidade, vamos ajudar a prevenir diversas patologias sociais.
AC: Quais são os comportamentos estranhos de quem está com depressão?
Ary Nepote: De repente o estilo de vida do indivíduo diminui, ele se torna esquivo, arredio, evita contatos, fica mais tempo sozinho e se prende de uma maneira compulsória nos aparelhos de comunicação online. Esses aparelhos dão a sensação ilusória do desenvolvimento da inteligência, em função de informações rápidas que o indivíduo tem. É como se ele pudesse armazenar e ter críticas sobre isso, mas a rapidez dos fatos impede que a memória trabalhe nessa direção, então ilude em termos de conhecimento. Mas ao mesmo tempo o sentimento rebaixa, pois ele não estabelece contatos, ele enfraquece a relação imediata que realmente simboliza o afeto.Fonte:Acorda Cidade