O vice-presidente da CBF José Maria Marin escondeu do Banco Central e da Receita Federal a propriedade de um apartamento de luxo em Nova York e usou uma empresa em paraíso fiscal para isso. Informações e documentos obtidos pelo UOL Esporte mostram que o dirigente detém o imóvel desde 1989 e o frequenta habitualmente, mas sua declaração à Justiça Eleitoral como candidato em 2002, que deve incluir todos os bens listados ao fisco, ignora a existência do apartamento.
Ex-presidente da CBF, Marin está preso na Suíça desde o fim do mês passado, acusado de ter recebido propinas em negociações de contratos da Copa América e Copa do Brasil. Segundo documentos divulgados pelo Departamento de Justiça dos EUA, ele ficou com pelo menos parte dos R$ 63 milhões pagos irregularmente a empresas de marketing por direitos comerciais dessas competições.
Durante sua carreira como político e dirigente esportivo, Marin construiu patrimônio considerável. Em 2002, quando foi candidato a senador por São Paulo, esse patrimônio valia R$ 4,4 milhões, segundo sua declaração à Justiça Eleitoral. Corrigido pela inflação, o montante hoje seria de R$ 10 milhões. Só que se sabe que isso está longe de representar todos bens familiares, visto que sua mulher e seu filho também têm posse de imóveis em São Paulo.
Além disso, Marin tem bens que ele não revelou a ninguém. Entre eles, está o apartamento no 41º andar na Trump Tower, prédio construído pelo famoso empresário do ramo imobiliário norte-americano Donald Trump. Inaugurado em 1983, o edifício tem 68 andares divididos em uma área para restaurantes e lojas, outra para escritórios e um condomínio residencial.
Cada apartamento desse condomínio vale ao menos US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 8 milhões no câmbio atual), segundo sites de imobiliárias norte-americanas. Esse é o valor de um imóvel colocado à venda e que tem 101 metros quadrados, um único quarto e um único banheiro, assim como o de Marin.
Funcionários do prédio ouvidos pelo UOL Esporte informaram que a unidade 41-D pertence ao cartola. De acordo com o registro de imóveis de Nova York, esse apartamento é propriedade da empresa Swanfield Ltd desde 1989, quando foi comprado por US$ 900 mil. A companhia tem sede nas Ilhas Virgens Britânicas, território considerado paraíso fiscal. Documentos obtidos pela reportagem mostram que o presidente da Swanfield é José Maria Marin, residente em São Paulo, Brasil. Há uma assinatura dele, igual à usada em documentos da CBF, que dá procuração ao advogado David Spencer para executar a compra do apartamento da empresa Eagle Envelope Co, proprietária anterior.
Desde então, o apartamento não foi vendido e continua a pertencer à Swanfield. O UOL Esporte confirmou com funcionários do prédio que Marin e sua família frequentam habitualmente o imóvel e recebem correspondências. Há uma reforma em curso no local.
A Trump Tower fica na 5ª Avenida, bem perto do Central Park. A joalheira Tiffany e a marca de luxo Gucci, por exemplo, ficam no térreo do edifício. A poucos metros, estão Louis Vuitton, Armani, Prada, a famosa loja de brinquedos F.A.O Schwartz e a loja da Apple.
A lista dos donos dos imóveis da Trump Tower não é divulgada por corretores e funcionários do prédio. Sabe-se que o ex-secretário-geral da Concacaf (confederação de futebol da América do Norte e Central) e delator do esquema de corrupção no futebol, Charles "Chuck" Blazer, também morou no edifício. Blazer viveu no 49º andar da Trump Tower até o escândalo de corrupção estourar. Gastava US$ 18 mil (quase R$ 60 mil por mês) em alugueis de ao menos dois apartamentos do prédio. Desse valor, metade era pago diretamente pela Concacaf.
Antes de 1989, Marin teve cargos de presidente da Federação Paulista de Futebol no futebol. Mais importante do que isso, foi vice-governador e governador de São Paulo entre 1979 e 1982, durante o período da ditadura, em chapa com Paulo Maluf. No período, ele foi citado em casos de desvios de dinheiro público, sendo acusado dentro de uma CPI em São Paulo. Nunca foi condenado.
O UOL Esporte tentou contato com os advogados de José Maria Marin. O PTB, partido em que o ex-mandatário da CBF é vice-presidente, confirmou a contratação de dois profissionais para auxiliar na defesa do cartola, mas não informou sequer os nomes deles. O escritório Franco Montoro e Peixoto trabalha para o dirigente, e uma das secretárias foi informada sobre a reportagem. No entanto, não houve retorno até o fechamento do texto.
Confisco
Como Marin é acusado nos Estados Unidos de crimes de fraude e corrupção, a Justiça norte-americana pode confiscar o apartamento caso a posse seja confirmada. Em sua denúncia, o Departamento de Justiça dos EUA demonstrou em vários momentos saber que Marin tem residência em Nova York, mas o imóvel não foi listado como propriedade dele.
O Departamento de Justiça informou que tentará tomar quaisquer bens que sejam necessários para ressarcir lesados no caso de quem se beneficiou de propinas na investigação do FBI. Réu confesso, José Hawilla já se comprometeu a pagar quase R$ 500 milhões em ressarcimento. Outros acusados já tiveram suas propriedades nos EUA listadas no processo.
No Brasil, Marin deveria ter declarado o apartamento ao Banco Central e à Receita. Bens não listados são passíveis de multa e até R$ 250 mil, e o proprietário ainda pode responder por evasão de divisas se não explicar como o dinheiro foi parar fora do país.