A estratégia utilizada pela Câmara para votar duas vezes, na mesma semana, propostas de redução da maioridade penal gerou interpretações divergentes entre dois ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto o ministro aposentado Joaquim Barbosa aponta inconstitucionalidade na votação que aprovou a PEC da maioridade penal, o jurista Carlos Velloso, que se aposentou em 2005 da Suprema Corte, avalia que a iniciativa foi legal, na medida em que, segundo ele, se tratavam de textos com teor diferente.
Na madrugada desta quinta (2), os deputados federais aprovaram, em uma sessão polêmica, a proposta de emenda à Constituição que reduz de 18 para 16 anos a idade penal no país. Texto semelhante sobre o mesmo tema havia sido rejeitado pela Câmara no dia anterior.
No entanto, para assegurar a aprovação da PEC, deputados apresentaram uma nova versão, que excluiu da idade penal de 16 anos os crimes de tráfico de drogas, lesão corporal grave e roubo qualificado.
O texto anterior incluía esses três crimes, além de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
Derrotados em plenário, deputados do PT e de outros seis partidos decidiram protocolar no início da próxima semana um mandado de segurança no Supremo. Segundo o vice-líder do partido na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), a ação está sendo elaborada, e os petistas estão em conversas com outras legendas para obter adesões. Em geral, ações desse tipo no STF alegam que houve afronta ao “devido processo legislativo”, conforme previsto pela Constituição.
Contrário à redução da maioridade penal, Joaquim Barbosa afirmou nesta quinta, por meio de sua conta pessoal no microblog Twitter, que a segunda votação da PEC contrariou uma regra da própria Constituição.
“Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa […] O texto acima citado é o artigo 60, parágrafo 5º da Constituição brasileira. Tem tudo a ver com o que se passa neste momento na C. dos Deputados”, escreveu Barbosa na rede social.
Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. [...] Tem tudo a ver com o que se passa neste momento na C. dos Deputados"
A regra está expressa na Constituição nos seguintes termos: “a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. A sessão legislativa corresponde ao período de atividade normal do Congresso a cada ano, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.
Ao G1, o ministro aposentado Carlos Velloso expressou entendimento contrário. Para ele, como as propostas analisadas pelos deputados federais tinham conteúdo distinto, não se enquadrariam na regra mencionada por Joaquim Barbosa. Velloso também considera “delicado” o Judiciário interferir no processo legislativo
“Acho que o Congresso pode fazer isso. Afinal de contas, ele é que faz a lei, tem o poder constituinte derivado para fazer emenda constitucional. Você tem a tripartição dos poderes, cada um age com a maior independência. São harmônicos, claro, mas independentes. Intervir um poder no outro só mesmo quando ocorre flagrante desrespeito à Constituição”, enfatizou.
São raras as ocasiões em que o STF interveio no processo legislativo antes da aprovação de uma proposta. Em geral, o tribunal anula uma norma somente quando já passou por todas as etapas de votação no Congresso. Isso pode ocorrer por um problema relacionado ao conteúdo da lei (ou emenda constitucional) aprovada ou mesmo por erro em sua tramitação.
A decisão mais recente sobre o assunto se deu numa situação parecida. No último dia 17, a ministra Rosa Weber, do STF, negou pedido feito por um grupo de 61 deputados para anular a votação, na Câmara, de uma proposta de emenda à Constituição que permite a empresas privadas fazerem doações eleitorais a partidos.
A PEC foi aprovada no dia 27 de maio, em meio à votação da reforma política, por um placar de 330 votos a favor e 141 contra, um dia após texto similar (que previa doações privadas para partidos e candidatos) ter sido rejeitado pelo plenário por 264 votos favoráveis e 207 contrários.
"Às vezes, um único tópico é suficiente para provocar a rejeição inicial do todo. Opção contrária à democracia, conforme manifesta o precedente, estaria consubstanciada na supressão da possibilidade de análise das partes menores a partir da retirada do ponto problemático, e não o contrário."
No despacho, a magistrada também disse que o STF deve atuar com “cautela” ante pedidos para interferir no processo legislativo. “A separação dos poderes é condicionante necessária em qualquer discussão que envolva a judicialização de atos típicos de outro Poder, Pautada por essa ponderação, tenho atuado nesta Corte com cautela. Avançar a análise judicial sobre a organização do exercício do Poder Legislativo pode representar usurpação”, escreveu Rosa Weber na decisão.Fonte:G1