É cedo para a comemoração dos nefelibatas, preguiçosos e daqueles que, como artistas, são pensadores amadores e, como pensadores amadores, são artistas. Faltaram cinco votos para que a Câmara dos Deputados aprovasse ontem, em primeira votação, a PEC que reduz a maioridade penal para 16 anos para crimes como estupro, latrocínio, homicídio qualificado, lesão corporal grave ou seguida de morte e roubo com agravante. O texto obteve 303 votos a favor e 184 contra, com três abstenções. Uma Proposta de Emenda Constitucional precisa de pelo menos 60% dos votos em dois escrutínios em cada Casa: 308 deputados e 49 senadores.
O texto votado no fim da noite desta terça, relatado pelo deputado Laerte Bessa (PR-DF), não era a emenda original, mas aquele fruto de um acordo feito na Comissão Especial. Como avisou Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, a questão ainda não está liquidada. Disse ele: “Eu sou obrigado a votar a PEC original para concluir a votação ou o que os partidos apresentarem. No curso da votação, poderão ser apresentadas várias emendas aglutinativas. A votação ainda está muito longe de acabar, foi uma etapa dela”. Antes que alguém proteste e acuse manobra: ele está seguindo o Regimento Interno.
Para lembrar: inicialmente, Laerte Bessa havia acatado o texto original de Benedito Domingues (PP-DF), que reduzia a maioridade para todos os crimes. Um acordo feito com o PSDB restringiu os casos. No Senado, tramita uma proposta do senado Aloysio Nunes (PSDB-SP) que reduz a maioridade para crimes hediondos, desde que ouvidos previamente Ministério Público e um juiz da Infância e da Adolescência. Os tucanos haviam aceitado abrir mão dessa exigência se a emenda tivesse chegado — ou ainda chegar — ao Senado.
Mentiras e hipocrisias
A cadeia de mentiras e hipocrisias em que essa questão foi enredada impressiona e é a cara da vigarice intelectual e moral que toma conta de certos setores no Brasil. O governo se lançou contra a proposta argumentando, inicialmente, que menos de 1% dos crimes graves eram praticados por adolescentes. O número era, claro!, falso. Dados os casos de autoria conhecida, os jovens de 16 e 17 anos podem responder por até 40% deles.
Exposta a patacoada, Dilma inventou outra fantasia. Afirmou que a medida se mostrara inócua em países desenvolvidos que a haviam adotado. Eles não existem. É uma invenção. Até porque se desconhece outro país em que a impunidade esteja garantida em lei, como está no Brasil.
Na reta final, José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, pôs para circular um número bombástico: afirmou que 40 mil adolescentes entre 16 e 17 anos seriam enviados para o sistema prisional se a PEC fosse aprovada. É mesmo? Então o problema é grave, não? Então temos 40 mil pessoas que cometeram um daqueles crimes e que logo estarão nas ruas, é isso?
Bem, Cardozo é aquele que entrou nesse debate afirmando que a maioridade penal aos 18 anos é uma das cláusulas pétreas da Constituição, o que também é falso. As ditas-cujas estão no Artigo 60 da Carta, e a maioridade do 228. Cláusula pétrea não é.
Esse é o ministro que declarou que, caso tivesse de ficar no sistema prisional brasileiro, preferiria dar um tiro na cabeça. E com essa mesma retórica dramática, espalhava por aí que os adolescentes seriam enviados para escolas do crime — embora a emenda previsse que ficassem em alas especiais.
Na Câmara, deputados de esquerda, muito especialmente do PT, gritavam que os jovens criminosos precisam de escola, não de cadeia. Qualquer ser razoável sabe que precisam de escola os que querem estudar e de cadeia os que cometerem crimes graves. Escolas e cadeias só são termos permutáveis na retórica doentia das esquerdas, não é mesmo, deputada Maria do Rosário? Esta parlamentar petista continua a despertar em mim os adjetivos mais primitivos. Mas eu me contenho.
Há mais: o PT está no poder há 13 anos. Fez exatamente o quê para que a cadeia, então, passasse a recuperar as pessoas e deixasse de ser uma escola do crime? Se a violência é mesmo — não é; trata-se de uma tese tarada da esquerdopatia — uma razão direta da pobreza e da baixa qualidade da educação, cumpre indagar: o que os companheiros fizeram para mudar esse quadro?
É indecoroso, é vergonhoso, é inaceitável que um ministro da Justiça, a cuja pasta está subordinado o Departamento Penitenciário Nacional, trate o sistema prisional como uma escola de crime sem poder exibir uma só medida que tenha sido adotada em 13 anos para reverter tal quadro.
Contentar-se com a retórica de que os adolescentes assassinos precisam de escolas tranquiliza a consciência dos hipócritas e aponta uma arma contra a cabeça dos cidadãos.