Michel Temer, vice-presidente da República e coordenador político do governo na relação com o Congresso — e só nisso, note-se —, não deve deixar por agora essa função. Em algum momento, é certo que deixará. Mas por que o faria já? Seria largar o governo, vamos dizer, no mar da incerteza. Se, com ele na retaguarda, Dilma Rousseff já comanda a vanguarda da instabilidade, imaginem sem ele. A eventual saída da governanta tem de ser organizada. Não pode ser a explosão da manada da vaca louca. O transatlântico está emperrado. Não pode afundar. Então, parece-me, a natureza do jogo é Temer ficar mais algum tempo. A temperatura ainda não subiu o suficiente. Até porque, a depender do caminho que tome o eventual afastamento de Dilma, é ele o sucessor.
Por que digo isso? O governo está dando como certo que o TCU recomendará mesmo a rejeição das contas de 2014. Por si, esse voto não conduz a uma denúncia por crime de responsabilidade. Há, pela frente, caso o tribunal realmente faça a recomendação, a votação no Congresso. Se o relatório for endossado, aí, sim, é praticamente certo que as oposições denunciarão a presidente à Câmara com base nos Artigos 10 e 11 da Lei 1.079. A tarefa continuará árdua. Nada menos de dois terços — 342 deputados — terão de acatar o pedido de investigação para afastar Dilma.
Notem: essa não é uma disputa que se trava num cenário congelado. Se isso ocorrer, os demais agentes estarão atuando. As expectativas vão se deteriorando ainda mais, a confiança do empresariado cai, os especuladores (porque é do jogo) atuarão… Quem surge como a figura capaz de representar a voz do equilíbrio? É certo que seu nome é Michel Temer. Se ele sai já, põe o carro adiante dos bois.
Ocorre que, numa outra frente, ele também pode ser inviabilizado. O caso que está no TSE não tem solução simples, não. Que resposta dará o tribunal se Ricardo Pessoa confirmar naquela instância o que está em sua delação premiada, a saber: teria repassado ilegalmente ao PT, sob pressão, R$ 7,5 milhões? Seria dinheiro sujo das negociatas na Petrobras. Nota: a delação de Pessoa já foi homologada pelo STF. Aí, meus caros, a cassação da diplomação de Dilma atinge Temer. Se isso ocorrer antes do fim do segundo ano de mandato, é preciso marcar novas eleições para o período que restar até 2018.
O caminho da Justiça Eleitoral, no entanto, é longo. Alguém pode pedir vista — sem prazo para entregar o voto —, e cabem recursos. Enquanto isso, o país permaneceria numa espécie de “sursis”, à espera do nada. E por que digo que é à espera do nada?
Porque Dilma já não governa, vamos reconhecer. Aliás, nos bastidores, os petistas são os primeiros a concordar comigo. A sua única atuação na Presidência tem sido empurrar a realidade com barriga e lutar para não perder o cargo. Faltam três anos e meio para terminar o mandato, e a presidente não tem mais o que oferecer. Os petistas ainda tentam fingir que é a oposição quem turbina a instabilidade. Mas todos sabem, inclusive os companheiros, que isso é mentira: hoje, o nome da crise política, que impede o devido equacionamento da econômica, é Dilma.
A melhor coisa que a presidente poderia fazer ao país é mesmo renunciar ao mandato. Sei que há pouca literatura política a respeito, mas afirmo mesmo assim: há uma hora em que os países só podem contar com a renovação das esperanças. Vira o grau zero a partir do qual se dá o primeiro passo. E Dilma já não estimula mais ninguém. Poderia contar com a força mobilizadora do seu partido, mas o PT também se descolou da realidade de maneira irremediável — e assim será por uns bons anos, se é que é consegue recuperar ao menos parte do seu prestígio.
Dou a Dilma um linimento: ela não fez sozinha essa esparrela. A crise de um modelo caiu no seu colo e está a exigir uma capacidade que ela está obrigada a reconhecer que não tem. Assim, em nome do bem coletivo, deveria cair fora ou encaminhar ela mesma — porque outras forças não o farão — uma emenda parlamentarista para este mandato. Dilma ficaria como chefe de Estado, responsável última pelas Forças Armadas — a gente não está em guerra mesmo — e pela representação do Brasil no exterior. A gente só cortaria do repertório dela a mandioca, a bola de folha de bananeira e o lirismo da tocha olímpica. Ou melhor: a gente a proíbe de ler livros de antropologia antes de pegar no sono…
Como diria Chico Buarque: presidente, ouça um bom conselho, eu lhe dou de graça. Inútil espernear que a crise não passa. Se a senhora resiste à deposição e fica, ruim para o Brasil. Se, depois de um longo desgaste, cai, ruim para o Brasil. Quando a senhora foi eleita, ganhou também o direito de renunciar. Exerça-o. Ou entregue ao Parlamento a tarefa de governar.
Por Reinaldo Azevedo(Veja)