O Ministério Público do Estado de São Paulo instaurou três inquéritos - dois cíveis e um criminal - para investigar um suposto esquema de fraudes no sistema de fiscalização e aplicação de multas na Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). A origem da denúncia foi uma auditoria interna feita no órgão a pedido do governador Geraldo Alckmin (PSDB).
Segundo a diretora executiva da fundação, Ivete Maria Ribeiro, um grupo de funcionários procurava os devedores reincidentes para negociar o pagamento de multas. "Ouvimos que eles chegavam, por exemplo, em um posto de gasolina e diziam: 'Você é reincidente e sua multa é 50. Mas, se eu não considerá-lo reincidente, sua multa será 25'. Depois, nós corrigimos vários processos que estavam com a multa errada, pela metade, como se não fosse uma reincidência", afirmou a chefe do Procon.
Esse esquema teria provocado prejuízos ainda não estimados à instituição, que é responsável pelo recebimento e processamento de reclamações administrativas, individuais e coletivas contra fornecedores de bens e serviços. Os valores serão mensurados pelas investigações abertas em junho. O promotor responsável pelos três casos é Roberto Senise, da Promotoria de Defesa do Consumidor.
"Foi em fevereiro que o secretário da Justiça, Aloísio de Toledo César, recebeu um comunicado do governador dizendo que estavam ocorrendo inúmeras irregularidades no Procon e que havia negociação de multas", disse Ivete.
O caso chegou à mesa do secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, a quem a fundação está subordinada. "O pessoal lá estava trocando de Mercedes a cada dois anos. Quando chegava, por exemplo, a Eletropaulo, eles diziam: 'Olha, essa multa aqui pode chegar a até 20 milhões de reais'. Depois, chamavam o advogado e, na sombra, negociavam", contou o secretário. "Esse pessoal estava nadando em ouro."
Apesar de Toledo César e Ivete falarem em "grupo", o único nome citado diretamente nos inquéritos como suposto integrante do esquema é o ex-assessor técnico Renato Menezello, que teria assumido de forma irregular a função de diretor de fiscalização. "Alguém só pode assumir o cargo de duas formas: com a designação feita pelo governador ou pelo diretor executivo. Ele [Menezello] não tinha nem uma nem outra. Ele começou a assinar como se fosse diretor, mas não era", afirmou Ivete.
No dia em que instaurou um inquérito, o promotor sustentou que Menezello "usurpou funções atribuídas ao diretor de fiscalização" e "editou ordens de serviço em prejuízo para o consumidor". "Os atos normativos ilegalmente baixados [pelo ex-assessor] contrariam a legislação vigente e interferem no processo fiscalizatório", escreveu Senise no texto de abertura de um dos inquéritos.
Menezello foi indicado em 2014 pelo atual deputado Celso Russomanno (PRB-SP). Cotado para disputar o Palácio dos Bandeirantes no começo de 2014, Russomanno acabou desistindo da empreitada e apoiou a reeleição de Geraldo Alckmin, depois de emplacar nomes de sua confiança para cargos estratégicos na fundação.
O atendimento ao consumidor é a base da estratégia política do deputado do PRB - o partido também comanda a Secretaria Estadual de Esporte, Lazer e Juventude. Além de apresentar um quadro em programas na TV Record que se chama Patrulha do Consumidor, o deputado Russomanno preside o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Inadec), uma ONG que presta atendimento gratuito a pessoas que foram lesadas por fornecedores e prestadores de serviço.
A diretora executiva do Procon, Ivete Maria Ribeiro, afirma que, além de Menezello, exonerou da Fundação "outras dez ou quinze pessoas" ligadas ao deputado. Questionado sobre as nomeações, Russomanno, que é pré-candidato a prefeito da capital nas eleições de 2016, reconhece que indicou apenas dois nomes: Renato Menezello e Odilon Manoel Ribeiro. "As denúncias no Procon são graves. Se existem irregularidades, elas precisam ser apuradas. Não vou compartilhar com nada feito de forma errada", disse o deputado do PRB.
O nome de Odilon Manoel Ribeiro apareceu em mensagens interceptadas pela Polícia Federal no celular do ex-presidente da OAS, José Aldemario Pinheiro Filho, preso na Operação Lava Jato. As mensagens revelam que Ribeiro teria procurado o empreiteiro um ano antes da eleição de 2014 "para falar sobre apoio". Ele negou os contatos com o presidente da OAS
Procurado, Menezello não quis comentar o caso.
"Eu não vou falar nada sobre isso. Eu ainda não fui depor, eu não sei do que se trata", afirmou. Menezello foi afastado do Procon no início do ano. O ex-assessor técnico foi convocado para apresentar a defesa ao Ministério Público em 27 de julho. Chegou a comparecer ao MP na data estipulada, mas alegou ao promotor responsável não ter tido tempo suficiente para preparar a defesa. O promotor acolheu o pedido feito pelo ex-assessor do Procon e deu um prazo de 20 dias para que Menezello retorne ao Ministério Público para apresentá-la.
Aloísio de Toledo César e Ivete Maria Ribeiro foram indicados aos cargos de secretário da Justiça e diretora do Procon, respectivamente, pelo deputado estadual Campos Machado (PTB). O partido comanda a pasta e a fundação desde fevereiro, depois de uma reestruturação feita por Alckmin.
(Com Estadão Conteúdo)