Mistérios rondam alguns números das manifestações. O cardápio já está pronto para brincar de luta de classes nível “Massinha 1”. O Datafolha fez pesquisa entre os que foram às ruas no domingo, defendendo o impeachment de Dilma, e os que marcharam nesta quinta, contra o impedimento.
Não estou desconfiando dos números do instituto — se estivesse, diria. Mas há muito tenho escrito que em tempos de crispação ideológica, a gente precisa se preparar para a hipótese de as pessoas mentirem para os pesquisadores, respondendo o que lhes indica a metafísica influente, não o que realmente pensam ou o que realmente são.
Não há exemplo maior disso do que as ciclofaixas. A imprensa é esmagadoramente a favor. As TVs tratam ciclistas como pensadores. Há até um articulismo que já desistiu de andar sobre dois pés e escolheu as ruas rodas. “Você é favorável a ciclofaixas e ciclovias?”. O “Sim” vai lá para as alturas. Na hora de avaliar o desempenho do prefeito que desistiu de ter apenas os dois pés no chão, é o que se sabe…
Aliás, um dos segredos da militância politicamente correta — e, em larga medida, das esquerdas — é justamente este: transformar as soluções em abstrações boas para a humanidade, de modo que ninguém possa se dizer contra “o bem”. Mas volto às manifestações e ao Datafolha.
Há números interessantes. No ato petista, 52% disseram ter curso superior; no antipetista, 60%. São números muito acima da média. No Brasil, em 2013, 11% declararam ter chegado à universidade. Nos dois casos, estaríamos falando, então, de minorias, certo?
Quando se vai verificar a grana, no entanto, algo curioso acontece: no ato petista, pessoas de famílias com renda até dois mínimos somariam 24%; no antipetista, apenas 6%; com ganhos acima de 20 mínimos, 5% entre manifestantes vermelhos e 17% entre verde-amarelos. Estranho. Vai ver existe universitário “companheiro” ganhando dois mínimos. Deve ser por pura incompetência, não?, num país em que há tão poucas pessoas com o terceiro grau. Infiro que, nos protestos anti-Dilma, ter um salário baixo não é um valor ideológico; nos atos petralhas, é.
Mais: dá para fazer outra brincadeirinha ainda mais perigosa: luta racial nível “Massinha II”. No domingo, os pardos e pretos somariam 20%; nesta quinta, 49%. O Datafolha segue o critério da autodeclaração. Eu vi de perto as duas manifestações. Fora a cor das bandeiras, a diferença visível é nenhuma. Até o formato do crânio é o mesmo — se é que entendem a ironia… Digam-me: em que grupo ser “negro” passou a ser um valor ideológico? Ah, sim: eu sou, fazendo uma conta resumida, pelo menos 60% índio. Apesar de tanta brancura. Mas decidi ser vermelho no IBGE — só na pele que não tenho, bem entendido. E na esperança de uma dia reivindicar todo o litoral norte de São Paulo pra mim. Já nem chamo aquele satélite da Terra de “Lua”. É “Jacy”.
Está na hora de o Datafolha fazer uma espécie de “Esquadrão Secreto” para avaliar a qualidade das respostas. Sei que mecanismos parecidos já existem. É o caso de aprimorá-los. Até porque, convenham, quando se cotejam essas respostas com a avaliação que se faz do governo Dilma, um raio ilumina a qualidade e a veracidade das respostas. Segundo o instituto, nada menos de 54% — sim, isso mesmo!!! — dos que foram às ruas na quinta acham o governo Dilma ótimo ou bom; só 20% consideram “ruim ou péssimo”.
Convenham: é evidente que se trata de uma resposta orientada pela escolha política, pela ideologia, pelo alinhamento partidário. Houve um tempo em que, com efeito, só quem projetava a situação para anos vindouros percebia a baixa qualidade do governo. Hoje em dia… Quem são essas pessoas que reconhecem as virtudes superiores da gestão Dilma? Vai ver são os pretos e pardos, com ensino universitário, cujas famílias têm renda de até dois mínimos….
Em momentos assim, a gente diz lá em Dois Córregos: “Não orna!!!”.
Finalmente, tenho outra curiosidade; segundo o Datafolha, 35% dos que estavam na Marcha dos Pixulecos eram assalariados. É mesmo? Mataram o trabalho nesse dia? Vai ver é por isso que não conseguem convencer seus patrões a lhes pagar uma salariozinho melhor…
Tenha paciência!
Por Reinaldo Azevedo