Em poucos meses o Brasil conseguiu reunir fatos suficientes para marcar a história com o jargão preferido do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, quando falava de seu governo. Nunca antes na história do país alcançamos o atual nível de degradação e desmantelamento dos fundamentos econômicos e da capacidade de gestão do dinheiro público.
O desafio das comparações é o “com o quê?”. Por isso alguém pode sempre lembrar que tivemos uma moratória na década de 80, essa sim uma passagem inesquecível. Ah, também tivemos a hiperinflação, que corroía o valor da moeda ao ritmo de 80% ao mês. E o confisco da poupança, então? Este é imbatível, podem dizer. Os traumas vividos pelos brasileiros foram fortes o suficiente para justificar as mudanças alcançadas a partir do Plano Real, em 1994.
Até lá, praticamente não andávamos para frente. O compasso econômico era retardado e improdutivo. A partir da estabilidade da moeda, ou melhor, da criação de uma moeda forte no Brasil, o país encontrou espaço para estabelecer novos parâmetros, alguns duros demais até. Por exemplo, a carga tributária que mais que dobrou desde então. O endividamento público escondido por anos de conturbação política, social e econômica exigiu um aumento gigantesco da arrecadação aos cofres públicos.
Entre tantas mudanças, quero destacar a entrada do Brasil no mercado mundial – tanto financeiro, quanto comercial – como um país emergente, no sentido literal da expressão, e promissor a partir dos anos 2000. A evolução foi tanta que em 2008 conseguimos a nota mínima para virar um ativo respeitado e mais seguro – o já saudoso grau de investimento. Mesmo com tantas conquistas, a lista de lições de casa ainda era enorme e não poderia ser adiada, já que a sustentabilidade e a manutenção dos avanços dependiam delas. Caso das reformas estruturais como da previdência, a tributária, a trabalhista e a reforma da administração pública.
O controle da inflação, a quantidade de investimentos estrangeiros, a formação de uma gorda conta de reservas internacionais (US$ 370 bilhões atuais), a manutenção do baixo endividamento e da geração de caixa para o pagamento dos juros da dívida pública (superávits primários) não tiveram a capacidade de transformar o Brasil num país poupador, produtivo, competitivo, bem preparado para o mercado de trabalho e, acima de tudo, um país mais barato e previsível. Depois da crise mundial entre 2008 e 2011, essa realidade se impôs.
E foi aí que batemos na ponta do nosso iceberg composto de ego, autoengano e falsas bondades (os casos de corrupção estavam numa segunda trombada com iceberg nacional). O Brasil não só não se preparou para a nova etapa de mudanças, como passou a consumir todas as conquistas alcançadas até então. Os erros e abusos do roteiro recente estão agora escancarados e, ao mesmo tempo, cobrando sua altíssima fatura.
Mesmo com tantos episódios traumáticos na sua formação econômica, nunca antes na história do Brasil estivemos a ponto de viver dois anos sob uma recessão braba, com Estado pesadíssimo no meio do caminho, uma crise política sem precedentes na cegueira e na desonestidade, uma incompetência em gerir o orçamento público e com o governo mais impopular da democracia.
A semana que começa nesta segunda-feira (21) não deve trazer alívio ao cenário presente. O processo que segue em curso é o de reavaliação do “preço” do Brasil diante do “produto” que se revela sem dó nem piedade. E junto com ele, a deterioração das expectativas – vide relatório Focus divulgado há pouco – vai conduzir a divulgação dos indicadores aguardados, entre eles, o IPCA-15 de setembro. A inflação no período deve perder força, mas não vai relaxar o aperto agudo já sentido no bolso das famílias. Fonte:G1(THAIS HERÉDIA)