O câncer de mama é a doença que mais mata mulheres no Brasil. De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer, órgão ligado ao Ministério da Saúde, a cada 10 mulheres diagnosticadas com a doença no país, três morrem em decorrência da enfermidade. Apesar do alto grau de letalidade, este tipo de câncer pode ser evitado com algo simples: a prevenção através do exame de mamografia. Para chamar a atenção da população para a importância de se realizar o procedimento e o combate à doença, foi criado, na década de 1990, o movimento mundial “Outubro Rosa”. Em um mês que traz uma série de atividades de apoio à iniciativa, o Bahia Notícias traz uma entrevista com o integrante da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Português, em Salvador, César Augusto Costa Machado. Coordenador de um estudo realizado na capital baiana que descobriu uma correlação entre obesidade e câncer de mama nas mulheres, o médico fala sobre os caminhos que levaram a este resultado e faz um apelo: “Para um pouquinho, pense, pois o fato de você estar engordando não aumenta só colesterol e diabetes, mas aumenta a chance de câncer de mama também”. Machado também falou sobre uma notícia que rodou o mundo em 2013: a decisão da estrela hollywoodiana Angelina Jolie de retirar os seios para evitar desenvolver o câncer de mama. Ele relembrou que o caso da atriz é específico. “No caso de Angelina Jolie, a gente tem que diferenciar um pouquinho, porque existe a questão da mutação genética. Foi um boom muito grande na clínica de mulheres com histórico familiar e que quiseram fazer a cirurgia, mas sem necessidade”, frisou. O especialista reconheceu, ainda, avanços na política de combate e tratamento da doença no Brasil, mas avalia que o cenário na Bahia é “muito ruim”. “Na rede pública, a gente vê situações de mulheres que a gente detecta uma alteração na mamografia, e elas demoram outros oito meses para conseguir uma biópsia. Depois dessa biópsia, levam três a quatro meses para conseguir uma cirurgia. O atraso é muito grande”, criticou.
Qual a motivação do estudo que descobriu esta correlação entre obesidade e câncer de mama nas mulheres? Qual foi o passo a passo dele até chegar a este resultado?
No projeto de mestrado da Escola Bahiana de Medicina foi que surgiu o estudo mais amplo sobre associação de fatores de risco cardiovasculares e câncer de mama. O estudo envolve obesidade, hipertensão, diabetes, colesterol alto, são diversos fatores que foram analisados. A iniciativa foi para um projeto de mestrado e estas foram, digamos, subanálises do estudo maior, que foi a associação da obesidade com o câncer de mama. Foi montado um grupo de pesquisa de estudantes da Escola Bahiana, juntamente com mais dois oncologistas clínicos, e formamos um grupo com mais 12 estudantes, onde eles foram treinados e, a partir daí, foram feitas análises em duas clínicas. Uma clínica de mastologia, onde foram analisadas as pacientes livres de doenças, e em outra os pacientes com câncer de mama, recém-diagnosticados. Depois, fizemos modelos estatísticos e comparamos os resultados destes dois grupos. Esta correlação foi evidenciada e foi quando chegamos aos resultados. O estudo começou em 2012 e chegamos ao resultado em 2015.
Como vocês chegaram à conclusão de que há relação entre obesidade e câncer de mama? O que a obesidade provoca no corpo da mulher que leva a esta maior probabilidade de desenvolver o câncer de mama?
Através das análises que fizemos e de cálculos desenvolvidos por computador, chegamos à conclusão de que, na obesidade, as mulheres obesas tinham 2,5 vezes mais chances de desenvolver o câncer da mama que as magras. São três mecanismos fisiopatogênicos que levam a este achado. O primeiro é uma questão de hormônios femininos, onde o estrogênio e a progesterona, que são hormônios femininos produzidos pelos ovários, quando a mulher entra na menopausa, esses hormônios diminuem muito. Na mulher obesa, o tecido gorduroso assume a produção desses hormônios. Quando a mulher obesa entra na menopausa, continua tendo a produção desses hormônios e, com essa produção, aumenta o risco de câncer de mama. Na segunda causa, temos dois hormônios que são produzidos pelo próprio tecido gorduroso, a adiponectina e a leptina, que, apesar de ser a mesma célula que produz os dois hormônios, quando a mulher tá obesa, ela produz predominantemente leptina. A mesma célula, na mulher magra, produz a adiponectina. A leptina favorece o câncer, enquanto a adiponectina protege contra o câncer. O terceiro fator é que o câncer precisa de um processo inflamatório crônico. Se você não tiver um processo inflamatório crônico, você pode ter até a mutação genética, mas o câncer não vive. O paciente obeso é um inflamado crônico. O corpo do obeso está constantemente inflamado, independente de outros motivos. Essas três vias favorecem a que a mulher obesa tenha mais câncer de mama que a mulher magra. O câncer de mama é mais frequente na faia entre 55 e 60 anos. Na nossa pesquisa, a gente encontrou que as mulheres pós-menopausa nessa faixa etária teriam mais câncer. Só que é uma questão metodológica que a gente não tem como dizer. Se é nesta faixa etária que esses fatores são mais frequentes, ou se é porque o câncer acontece mais nessa idade que encontramos mais mulheres com essa idade. Acredita-se que a questão dos hormônios femininos é somente após a menopausa, mas os outros dois fatores, na menina com 10 e 15 anos que está obesa, digamos que o corpo dela já está sendo bombardeado desde este momento. Quando é jovem, ela consegue equilibrar por outros mecanismos. A medida que o corpo vai envelhecendo, os mecanismos de compensação vão diminuindo e começam a aparecer as consequências desta obesidade a longo prazo.
A incidência do câncer de mama pode acabar variando conforme outras questões, como clima, questões genéticas e de raça. Como garantir que o resultado que tivemos na Bahia possa ser obtido no resto do Brasil, que é um país de dimensões continentais, com população de características diferentes em cada região?
Não podemos dar esta garantia. A importância de que cada lugar faça esse estudo é esta. Digamos, ano passado teve um estudo grande na Inglaterra que encontrou os mesmos resultados que o nosso. Só que aí vem o questionamento: a mulher inglesa é completamente diferente da mulher baiana. Se você vai analisar do ponto de vista etnia, carga genética, heranças, meio ambiente, a maneira de clima, alimentação, então a gente não pode garantir que os resultados sejam iguais. A importância é de cada lugar do Brasil reproduza este estudo para você ter total certeza. Este é um grande problema. A medicina baiana e brasileira pega pesquisas mundiais e reproduz aqui sem nenhuma confirmação. Infelizmente, já aconteceu de medicamentos que você começa a usar e descobre que lá é muito bom, enquanto aqui, não.
Qual vai ser o próximo passo do estudo? Vocês pretendem estendê-lo pelo país e até internacionalmente?
Nós estamos continuando na Bahia pela questão de fomentar o número de participantes, para termos números estatísticos mais robustos, e existe uma vontade do presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia de criar no Brasil modelos multicêntricos, como se tem na Europa e nos Estados Unidos. Ou seja, uma pesquisa que tá sendo feito na Bahia tem hospitais em São Paulo, em Goiás, no Rio de Janeiro que repetem esta pesquisa, e nós repetirmos outras pesquisas aqui, para você ter uma visão da mulher brasileira e das especificidades em cada região que existem no Brasil.
O senhor acredita, então, que os resultados sejam diferentes em outras regiões do Brasil, mesmo o estudo na Inglaterra tendo constatações semelhantes aos do feito na Bahia?
Sim. Câncer de mama não tem se mostrado tão variável, mas o câncer de intestino, por exemplo, é super variável. A alimentação é muito marcante nisso. No câncer de mama, as variações não são tão marcantes. Mas, infelizmente, a gente não pode garantir que o resultado daqui ocorra em outros locais.
Como vocês avaliam a importância do estudo e da descoberta desta correlação entre obesidade e câncer da mama?
A importância é a questão da prevenção. Infelizmente, a sociedade está engordando, ou seja, um ritmo de vida onde você não tem tempo de alimentação, onde você tem alimentações industrializadas, hipercalóricas, um apelo exagerado ao consumo, em termos de propaganda e marketing. Os dados do IBGE mostram que, a cada ano, o brasileiro engorda mais. Obesidade já é mais preocupante que a desnutrição, que há décadas atrás era a preocupação no Brasil. A grande importância do estudo é de dar um freio nisto. É dizer: “oh, para um pouquinho, pense, pois o fato de você estar engordando não aumenta só colesterol e diabetes, mas aumenta a chance de câncer de mama também”.
O medo de desenvolver o câncer de mama é o que leva a atitudes como a de Angelina Jolie, que retirou os seios por descobrir ter um alto risco de desenvolver a doença?
No caso de Angelina Jolie, a gente tem que diferenciar um pouquinho, porque existe a questão da mutação genética. Quando você comprova a mutação genética, o risco aumenta muito. O risco da população, em geral, é de 10% a 12% de desenvolver câncer durante a vida. No caso de Angelina Jolie, chegava a quase 90%. Isto dá um impacto muito grande. Só história familiar não quer dizer mutação genética. Só 5% a 10% dos casos de câncer de mama tem implicação familiar. Quem tem história familiar tem que ir num oncogeneticista, fazer o teste genético, para confirmar se tem o risco aumentado ou não. É uma coisa que tem que se tomar cuidado. Quando a Angelina Jolie fez, foi um boom muito grande na clínica de mulheres com histórico familiar e que quiseram fazer a cirurgia, mas sem necessidade.
O diagnóstico precoce é apontado como a melhor forma de combater o câncer de mama. No entanto, a gente vê que a rede pública de saúde não dá a condição necessária para que as mulheres possam descobrir a doença precocemente. Na Bahia, a situação é a mesma da que verificamos nacionalmente?
É a mesma e é muito ruim. A mamografia não é dos exames mais difíceis de ser condição. Na rede pública, a gente vê situações de mulheres que a gente detecta uma alteração na mamografia, e elas demoram outros oito meses para conseguir uma biópsia. Depois dessa biópsia, levam três a quatro meses para conseguir uma cirurgia. O atraso é muito grande.
O câncer de mama é uma das maiores causas de morte de mulheres no Brasil. A nossa estrutura é ineficaz no tratamento e prevenção da doença. No entanto, qual também o papel dos médicos e da própria mulher neste processo de diminuir a letalidade da doença?
Os países desenvolvidos têm aumentado a frequência de câncer de mama, pelos fatores de risco, mas diminuindo a letalidade. O Brasil adquiriu os hábitos de vida modernos, já estamos tendo aumento no número de casos e aumento proporcional na mortalidade. A mulher precisa brigar mais. A Constituição exige que o governo dê a ela a saúde, ela tem que cobrar mais dos gestores públicos essa acessibilidade. Os gestores precisam, de certa forma, se sensibilizar sobre isso. Os países desenvolvidos oferecem o exame e muitos países obrigam a fazer este exame. Em muitos países europeus, se a mulher fica desempregada e vai requerer o seguro-desemprego, ela tem que comprovar que fez a mamografia. Se não tiver, ela não recebe o benefício. Eu já tive oportunidade de me reunir com um secretário de Saúde e pedir pra fazer isto, vincular ao seguro-desemprego, ao Bolsa Família, mas não foi para frente. Os médicos também precisam fazer esta cobrança, junto com a sociedade.
Há avanços no combate ao câncer de mama no Brasil? O que precisamos fazer para que tenhamos mais melhorias?
Avanços existem. O próprio SUS incorpora novas drogas, apesar de grande lentidão em relação a outros países. Infelizmente, nem toda população consegue estar matriculada nestes hospitais que atendem câncer e fazendo o tratamento de forma efetiva.
Como a Sociedade Brasileira de Mastologia vem atuando para melhorar a estrutura de combate e tratamento do câncer de mama no Brasil, além de alertar as mulheres para a importância do diagnóstico precoce?
Temos diversas campanhas, tanto do ponto de vista populacionais, como brigas que a Sociedade tem comprado. Há um ano e meio teve uma grande vitória nossa, pois o governo federal emitiu uma portaria que, sinceramente, ninguém entendeu em qual das mamas ela seria feita. A gente jogaria uma moeda pra cima para definir se seria na direita ou esquerda? Houve uma mobilização da Sociedade, junto com a Sociedade de Cancerologia, de Ginecologia e Obstetrícia. Está em liminar, ou seja, pode cair a qualquer momento. Apesar de o Ministério da Saúde indicar a mamografia a cada dois anos, a mulher que quiser fazer em um ano consegue. Alguns países europeus fazem também a cada dois anos, mas as principais sociedades recomendam que a mamografia seja todo ano, e a mulher no SUS conseguem fazer isto. Esta lei iria permitir que a mamografia fosse feita apenas de dois em dois anos. Se a clínica conveniada ao SUS fizesse com menos tempo, o SUS não pagaria, que é a forma de pressão que eles têm contra as clínicas.Fonte:Bahia Noticias-por Bruno Luiz | Fotos: Luana Ribeiro/ Bahia Notícias