A onda de lama vinda das barragens da mineradora Samarco, que chegou ao oceano neste sábado, pode avançar por uma extensão superior a nove quilômetros prevista inicialmente pelo Ministério de Meio Ambiente. No primeiro momento, a lama formou uma pluma de água barrenta. Neste domingo, no entanto, uma mancha marrom e mais densa já se projetava por quilômetros da costa do Espírito Santo. Segundo o coordenador nacional do Centro Tamar-ICMBio, Joca Thome, a área afetada pode ser muito maior do que a calculada pelo governo. "Só o que eu vi hoje parece ser mais do que isso", disse Thome.
O espaço atingido faz parte da Reserva Biológica de Comboios, uma área de proteção costeira usada para a desova de tartarugas-marinhas, incluindo a tartaruga-de-couro, uma espécie ameaçada de extinção. Thome sobrevoou a mancha ontem à tarde e voltou para terra visivelmente emocionado. "Nem sei o que falar. É terrível; uma calamidade", disse, após sair do helicóptero. "Parece uma gelatina marrom se esparramando mar adentro."
A onda de lama percorreu 650 quilômetros de rio desde o rompimento da barragem em Mariana, no interior de Minas Gerais, no dia 5 de novembro. O desastre deixou ao menos 12 mortos e 11 pessoas ainda seguem desaparecidas.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, afirmou neste domingo que o desastre ambiental ainda não acabou. Apesar de a dimensão dos estragos ainda não estar definida, a ministra garantiu que a Bacia do Rio Doce, seriamente afetada pelo mar de lama, será recuperada. "Devolveremos a bacia", prometeu Izabella, ao dizer que ela poderá ficar "em melhores condições". A ministra disse estar diante do pior desastre ambiental enfrentado pelo Brasil. Mas afirma que o episódio pode ser considerado como um "aprendizado." "Todas as vezes que problemas como esses ocorrem, há uma tendência de se rever parâmetros. Vamos discutir todo aperfeiçoamento necessário", argumentou.
A onda chegou à costa capixaba no pico da época de desova das tartarugas. Equipes do Tamar vinham retirando diariamente da praia de Regência, distrito de Linhares (ES), os ovos colocados pelas tartarugas, numa média de 40 ninhos por noite. O local continuará sendo monitorado, para ver como as tartarugas reagem à presença da lama. Pesquisadores alertam que os sedimentos, independentemente de serem tóxicos, vão afetar profundamente os ecossistemas fluviais, terrestres e oceânicos da Bacia do Rio Doce.
No domingo, pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) já recolhiam peixes mortos na desembocadura do rio. Analisando os animais manualmente era possível ver claramente que suas guelras estavam impregnadas de lama. Mesmo com os níveis de oxigênio da água dentro do normal, esse "entupimento" das brânquias impede os peixes de respirar e eles morrem asfixiados.
Ponta do iceberg - A mortandade de peixes, porém, é apenas "uma pontinha do iceberg", segundo o biólogo Paulo Ceccarelli, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais (Cepta), do ICMBio. O problema maior, e de mais longo prazo, é a extinção do plâncton e de outros pequenos organismos que formam a base da cadeia alimentar, que terá um efeito cascata sobre todo o ecossistema, impactando desde os herbívoros aquáticos até o carnívoros terrestres.
Para piorar a situação, é época de desova no Rio Doce, o que significa que, para cada peixe ovado que morrer, outras dezenas ou até centenas de peixinhos deixarão de nascer. E mesmo que nasçam, diz Ceccarelli, não haverá plâncton, algas ou pequenos crustáceos na água para eles se alimentarem. Sem peixes, faltará alimento para outros animais, como garças e lontras, e assim por diante. "Cada vida que é extinta do ecossistema leva muitas outras junto", sentencia o pesquisador.
"Isso aqui vai virar uma camada fóssil", diz o biólogo Dante Pavan, do Grupo Independente de Análise de Impacto Ambiental (Giaia), um consórcio de cientistas que se juntaram para responder ao desastre do derramamento de lama.
(Com Estadão Conteúdo)