Quando duas barragens da mineradora Samarco romperam na cidade mineira de Mariana na semana passada, destruindo com uma avalanche de lama diversos distritos da região, o prefeito Duarte Júnior (PPS) estava prestes a completar seu quinto mês no cargo: ele assumiu o posto em 10 de junho, no lugar de Celso Cota (PSDB), cassado depois de ser condenado por improbidade administrativa. Agora, o prefeito de 35 anos tem de administrar uma cidade abalada por aquela que já é considerada a maior tragédia ambiental da história de Minas Gerais - e lidar diariamente com o desespero dos moradores locais. Ao site de VEJA, Duarte Júnior falou sobre o clima de medo que impera em Mariana, sobretudo no distrito de Bento Rodrigues, o mais afetado pela tragédia. "Não vejo a possibilidade de Bento se reerguer", afirma. Confira a entrevista a seguir:
Como está o relacionamento com a Samarco? A mineradora está prestando apoio à cidade?
A empresa sempre foi muito bem vista na cidade. Antes da tragédia, os funcionários tinham muito orgulho de trabalhar lá. Agora, fica difícil dimensionar o sentimento da população de Mariana quanto à Samarco. Mas, enquanto Executivo, posso dizer que até agora a empresa tem atendido tudo o que solicitamos: hotéis e casas para os afetados, helicóptero para o resgate. Eles estão pagando alimentação e estadia. Mas, para mim, a empresa nada mais faz do que sua obrigação, já que é responsável por tudo o que aconteceu.
Por que acredita que a Samarco seja culpada pela tragédia?
Eles afirmaram que tinham um plano estratégico de contingência em caso de rompimento das barragens e que esse plano foi aprovado. Mas que tipo de plano não prevê uma sirene ou um botão do pânico para avisar a população de que uma catástrofe ocorreu? Não se pode achar que haverá tempo de avisar a todos por telefone, que vão ligar e dizer que as pessoas têm cinco minutos pra sair de casa. Houve uma falha e é importante que a empresa assuma isso. Ainda vamos ter estudos para entender o porquê do rompimento da barragem, mas houve uma falha de comunicação que custou vidas. Os moradores com quem conversei dizem que tinham medo da barragem romper e já haviam levado essa questão à empresa, mas a Samarco lhes disse que era seguro?
Esse plano não passou pela prefeitura?
Não. Esse plano foi construído e apresentado ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do governo federal. Houve uma falha na forma como as coisas aconteceram: a Samarco não telefonou para ninguém, embora diga que sim. E ainda que tenham ligado, o sistema claramente falhou.
O saldo de mortos em Mariana é menor do que o comum em catástrofes ambientais dessa magnitude. A que se deve esse quadro?
Aos heróis de Mariana. Houve pessoas que saíram pelas ruas de Bento resgatando pessoas e avisando os vizinhos. Todos se ajudaram. Um funcionário de uma obra passou com seu caminhão recolhendo moradores. Outra jovem circulou pelo distrito em sua moto avisando a todos e levando pessoas até acabar a gasolina. Eles correram risco de vida para ajudar os demais. A solidariedade salvou as pessoas do distrito, porque não houve aviso da Samarco. De fato, o saldo de mortos é baixo tendo em vista que se trata de um distrito de 600 moradores. A tendência era que aquele povo tivesse sido dizimado. Se a barragem tivesse rompido à noite, teria morrido todo mundo. A solidariedade das pessoas me deixa muito satisfeito. Aliás, tenho dito que são os voluntários, e não a prefeitura, que têm tocado a cidade. Eles é que ficam aqui virando noite, organizando doações.
Acredita que será possível reconstruir a cidade?
Bem, vejamos o distrito de Bento Rodrigues, que tem uma importância histórica enorme para Mariana - era uma referência, muito bonito, turístico. Como leigo, não consigo ver possibilidade de Bento se reerguer. O que tem de lama lá é impressionante. As pessoas não querem voltar para lá. Elas perderam tudo, perderam entes queridos e sabem que há outra barragem de rejeitos sobre o distrito. Acho muito difícil ser reconstruído. Essa é uma percepção minha, mas ouvi pessoas que experiência em catástrofes e a avaliação é a mesma. Nem sei se a empresa tem condições de remover toda aquela lama. Já em Paracatu, embora tenha perdido 60% de sua infraestrutura, eu vejo maior possibilidade de reconstrução. Mas Bento tem uma importância muito grande e não pode simplesmente acabar. Precisamos estudar o que vai ser feito.
Qual pode ser o efeito futuro dessa tragédia?
Fico preocupado porque agora surgem pessoas dizendo que Mariana não pode mais comportar mineração. O município minera há cinquenta anos e nunca houve diversificação da atividade econômica. Todos os que já tiveram mandato têm culpa nisso, eu inclusive. Se a mineração acabar, minha arrecadação cairá tanto que não poderei manter os serviços básicos. Direta ou indiretamente, 80% da receita da cidade vêm da mineração. Sem mineração, Mariana acaba. Essa catástrofe é muito maior do que se imagina.
Qual a principal reivindicação das famílias afetadas pela tragédia?
Querem mais informações. Todos reclamam que a informação não chega aos parentes das vítimas, por isso agora todos os dados que forem repassados à imprensa terão antes de ser informados às famílias. Os moradores questionam como vão continuar vivendo, porque têm necessidades básicas e perderam tudo. O Ministério Público solicitou à Samarco que fizesse um repasse mensal para as pessoas afetadas. A empresa disse que, assim que receber o documento, tomará as providências.
De quanto será esse repasse?
Não houve uma definição. O ideal seria que o repasse fosse feito de acordo com a renda prévia de cada morador, para que as pessoas pudessem manter seu padrão de vida.
Como garantir que haverá punição aos responsáveis?
Tenho dito que estamos trabalhando em tópicos. O primeiro é achar sobreviventes. O principal objetivo é a vida. Mas, depois, tem de haver uma indenização aos familiares. A empresa tem que reconstruir tudo o que foi destruído, todos os distritos. A empresa tem que assumir que falhou - e que essa falha foi grave. A Samarco tem de assumir que errou e que esse erro vitimou pessoas que não poderiam ter sido vitimadas. Mas ainda que se puna a Samarco, não se pode extinguir a mineração.Fonte:Veja