Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo, resolveu se comportar como presidente do PT e teve, nesta quarta, uma atitude claramente hostil com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que havia lhe pedido uma audiência. Ele concedeu. Mas abriu as portas para a imprensa, num gesto escancaradamente demagógico. Jornalistas lembraram um precedente de Itamar Franco quando presidente. Falso. Digo mais adiante por quê.
Nota logo à partida: Lewandowski pode pensar sobre o deputado o que quiser. Eu, por exemplo, acho que Cunha tem de ser cassado. Mas o presidente do Supremo tem deveres decorosos com o homem que preside uma das Casas do Poder Legislativo. Enquanto Cunha não for cassado, tem de ser respeitado pelo comandante da corte suprema do país em razão de seu papel institucional.
Não foi o que se viu. Quem abriu as portas do tribunal não foi o magistrado que preza a transparência, mas o militante anti-impeachment, papel que não lhe cabe. Ora, o doutor fala com advogados de criminosos presos, a portas fechadas — ou não fala? Por que não pode fazê-lo com o presidente de uma das Casas do Legislativo?
A propósito: Lewandowski já pediu audiência ao comando do Congresso para tratar do aumento do Judiciário e outros benefícios. Já imaginaram se as portas se abrem, e flagramos lá o herói anti-Cunha a cuidar do pão deles de cada dia? A demagogia é um dos últimos estágios da vigarice intelectual.
De toda sorte, o comportamento beligerante foi útil para que saibamos o que está em jogo. Mais: LEWANDOWSKI FEZ TAMBÉM UMA CONFISSÃO SOBRE O VOTO DE ROBERTO BARROSO, SEU AMIGO DE SIMPATIAS PARTIDÁRIAS. A imprensa deixa passar porque está de tal sorte cegada pelo “anticunhismo” que não consegue enxergar um estupro institucional. Vamos lá.
A audiência
Cunha foi ao Supremo pedir celeridade na divulgação do acórdão da votação que estabeleceu, atropelando a Constituição e as leis, o rito do impeachment. Cunha lembrou que o fato de a maioria dos ministros ter vetado o voto secreto e a comissão avulsa deixava dúvidas sobre a eleição e funcionamento de outras comissões na Câmara.
Eis, então, e, neste sentido, foi bom a audiência ter sido aberta, que Lewandowski diz uma coisa sensacional. Defendendo o voto absurdo de Barroso, o presidente do Supremo disse não haver dúvida nenhuma — é mesmo? — sobre o que foi votado: segundo ele, a proibição de comissão avulsa, a indicação dos membros por vontade dos líderes e o voto obrigatoriamente aberto valem apenas para a comissão do… impeachment!!!
Entendi! Isso quer dizer que o senhor Barroso, de forma clara e deliberada, com a concordância da maioria, resolveu ser mesmo um legislador “ad hoc”. Vale dizer: o Supremo não tomou uma decisão em tese, pautada por princípios e fundamentos. A corte resolveu mesmo criar uma legislação para o caso específico — e, por óbvio, então, da forma como se fez, para beneficiar Dilma. Lewandowski foi literal: “O voto do ministro Barroso deixa bem claro que a decisão se refere à comissão do impeachment, não se refere a outras comissões”.
Vergonha!
Quanto à celeridade, o presidente do Supremo resolveu falar dos prazos regimentais. Os ministros têm até 19 de fevereiro para liberar seus votos, e o tribunal, até 60 dias para divulgar o acórdão, sem contar o período do recesso.
Ok. Estou entre aqueles que acham que a demora conta contra Dilma Rousseff — aliás, ela também. Até porque, como na Ilíada, nuvens negras se formam no horizonte, e há uma grande possibilidade de que seus raios caiam sobre o cocuruto presidencial.
O caso Itamar
Quando Itamar Franco era presidente, o então senador Antônio Carlos Magalhães (DEM-BA), que estava na oposição, anunciou ter um calhamaço de denúncias contra o governo. Disse que o entregaria ao chefe do Executivo. Itamar recebeu o senador, mas abriu as portas para a imprensa.
O paralelo com o que fez Lewandowski é descabido.
Cunha não foi ao ministro para entregar supostas denúncias, numa linha de confronto. Apenas cumpriu um ritual que, de resto, a elegância até pede. Mas o presidente do Supremo, hoje um dos esbirros do governo Dilma, resolveu surfar na impopularidade de Cunha. Ao fazê-lo, não desprestigiou um deputado enrolado, mas afrontou o Poder Legislativo, pondo-se, como de hábito, de joelhos diante do governo petista.
Ah, não tenho como esquecer os apelos emocionados que Lewandowski fazia em benefício dos réus do mensalão, lembrando, a todo instante, a condição humana dos condenados. Como se nota, nem sempre ele tem aquele coração de manteiga.
Encerro
Achei excelente o conjunto da obra. Lewandowski deixou claro que o juiz isento desapareceu para dar lugar ao militante de uma causa. E confessou que o julgamento no STF foi mesmo uma, digamos, bolivarianada. Ministros decidiram apoiar uma regra inventada para servir a um único propósito: tentar manter Dilma no poder, contra o que dispõe a Lei 1.079.
A isso se resume o gesto heroico de Lewadowski.