É bom ver jornalistas e editorialistas de alta qualidade profissional escrevendo sobre a complicada sequência de fatos que levou à votação do impeachment da presidente. De alguma maneira, compensa a enorme quantidade de reportagens e comentários medíocres, preguiçosos, mal informados, mal intencionados ou simplesmente ridículos.
O melhor editorial já publicado sobre o assunto foi o de hoje do jornal Sunday Times. Em compensação, outro jornal inglês, o Independent, divulgou uma reportagem escrita por um blogueiro especializado em futebol que disse os brasileiros, tão bobinhos, enganados pela imprensa malvada, se entregam ao “tribalismo”. Cuidado com os canibais, caro jornalista.
Mesmo sem concordar com o todo ou partes do conteúdo, o editorial do Sunday Times é louvável por trechos como: “O Brasil fracassou como modelo e fracassou com seus cidadãos. Apenas a robusta independência de seu judiciário o redime.”
Sobre as alegações de golpe, diz o editorial que “um golpe de estado requer um estado e as políticas (da presidente) desgastaram incansavelmente as instituições do estado”. Em inglês fica mais bonito, pois é usada a expressão em francês, coup d’état.
O Washington Post também fugiu ao espírito de manada e à repetição de clichês preguiçosos, como país “polarizado”. Sobre o ex-presidente, Nick Miroff e Dom Phillips escreveram que o seu golpe de mestre era “falar como populista e governar como pragmático”, um líder esperto que “colocou banqueiros conservadores no ministério e não atacou dirigentes empresariais ou os Estados Unidos”.
Também foi único jornal a perceber um fato que outras publicações estrangeiras escamotearam de tal forma que, se fosse uma cobra, estariam todas hoje no soro anti-ofídico: “Pelo menos 130 pessoas, incluindo executivos de empresas, ex-parlamentares e outros que participavam do esquema pegue-e-pague foram encarcerados em determinado momento.”
Tristemente, o New York Times estragou uma boa cobertura com uma reportagem sobre deputados de alto IPC – índice parlamentar de corrupção – que passaram para o lado do impeachment. Mas não revelou o pequeno detalhe de que antes eram fechados, fechadinhos, com a base parlamentar do governo.
Pelo menos o Times corrigiu um erro de identificação, ao chamar o deputado petista Paulo Pimenta de Pimento. Ficou melhor para dizer que “Pimenta nos olhos dos outros”…
Ou pelo menos do correspondente Andrew Jacobs, que fez uma reportagem inteirinha para mostrar como malvados pró-impeachment estavam atormentando heróicos anti-impeachment. Tinha a moça da camisetinha vermelha, a que apresentou queixa contra a pediatra por discriminação e a psiquiatra denunciando que pais estavam ensinando intolerância aos filhos. Só faltou o cachorro imaginário atacado há um ano, e recentemente ressuscitado no jornal, por verde-amarelos inexistentes.
Andrew Jacobs é o jornalista que escreveu sobre multidões freneticamente entregues à bacanal carnavalesca, vestidas com roupas minúsculas, indiferentes aos cruéis ataques dos mosquitos especializados em transmitir zika aos foliões. Quando virem um jornalista de burka, é ele.
No mais, a BBC continua torcendo pelo dragão. Com o agravante de que apareceu um explicador para explicar por que os brasileiros estão bravos. Não sabiam? Pois houve uma súbita recessão provocada por “uma queda nos preços de produtos brasileiros como petróleo, minério de ferro e soja”. Nenhuma referência à formuladora da nova matriz econômica.
Ah, sim, e o Brasil também é um “país dividido”.Fonte:Vilma Gryzinski(Veja)