Então, acordamos anteontem, dia 5, abrimos o WhatsApp para verificar se chegaram mensagens em algum grupo da família, ou de colegas de trabalho, e nos deparamos com o seguinte alerta:
“As mensagens que você enviar para esta conversa e chamadas agora são protegidas com criptografia de ponta-a-ponta.”
Para quem acompanha este blog, não se trata de uma novidade tão grande. Antecipei neste post que o serviço implantaria esse tipo de criptografia. A pergunta que fica, porém: o que você, e todos nós, temos a ver com isso? Acompanhe:
As mensagens no WhatsApp ficarão mais seguras. Isso é bom para todos os usuários. Como funciona a tal ponta-a-ponta: quando a pessoa A envia para a B um texto, um vídeo, ou uma chamada, o conteúdo recebe uma criptografia única. Só que tem a chave para abrir esse código é a ponta B, o receptor. Assim, nenhum outro usuário tem acesso à mensagem, mesmo por meio de técnicas de hackers (sim, pode haver brechas; mas ainda não as descobriram). Aliás, nem funcionários do próprio WhatsApp conseguirão quebrar essa criptografia. Ao menos é o que é vendido pela empresa.
Só que, em teoria, isso impedirá que a Justiça tenha acesso ao conteúdo das mensagens. E daí? Celebram os criminosos, como traficantes que usam o serviço para seus negócios e terroristas. Na prática, se o FBI, ou a PF brasileira, pedir para ver o que um suspeito papeou pelo aplicativo, não terá resposta. O WhatsApp diz que simplesmente não conseguirá colaborar, pela impossibilidade de quebrar o código.
Isso quer dizer que se o FBI demandar as trocas de mensagens de um terrorista do Estado Islâmico que pretende atacar, digamos, em um exercício mental bem forçado, brasileiros que transitam por um ponto turístico da Turquia, não haverá colaboração.
Já são previstas as brigas judiciais em torno dessa novidade do WhatsApp. Aliás, não só “previstas”. Há várias em andamento. No Brasil, a PF pediu dados de um usuário, traficante, e a empresa não colaborou. Uma das consequência foi a prisão de um executivo do Facebook (logo depois, liberado). Nos EUA, o Departamento de Justiça já requisitou informações de suspeitos que usaram o app para conversas (perdoe a repetição) suspeitas. Como não houve retorno, estuda como proceder com a questão.
Nessas histórias, há um radicalismo de ambos os lados. Típico da era digital.
Numa ponta, o governo exige que a empresa colabore a qualquer custo, mesmo que para isso comprometa a segurança virtual dos cidadãos. Vide a briga do FBI contra a Apple para desbloquear o iPhone de um terrorista. A companhia se recusou a criar o que se conhece como “porta dos fundos” em seu sistema operacional – o que fragilizaria não só o smartphone do investigado, como o de todos os donos de iPhones. Aí, o FBI insistiu, dizendo que essa era a única forma de continuar com seu trabalho. Porém, pouco depois, recuou, dizendo que conseguiu, por conta, hackear o aparelho (ou seja, não era a única forma).
Na outra ponta, a empresa (aqui, entenda como WhatsApp, mas também outras do setor, como Apple e Google, que compram brigas similares) deixa claro que tá nem aí para os pedidos da Justiça. Simplesmente codificará tudo. Sem fornecer chave, para quem for.
Como é típico das posições extremas, ambas prejudicam a sociedade. O que deveria ser procurado é um meio-termo, um equilíbrio justo e benéfico para essa balança de forças. Um que garantisse a proteção de todos os usuários dos serviços digitais. Mas que, ao mesmo tempo, permitisse à empresa ter recursos para colaborar com investigações pontuais, quando isso fosse exigido. Afinal, quando a balança pesa para só um lado, seja qual for ele, ela pode quebrar.Fonte:Filipe Vilicic:É jornalista e editor de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de VEJA