No meu tempo de menino em Serrinha a gente tinha o maior fascínio pela Bomba, açude construido pela Leste Brasileiro para abastecer o sistema ferroviário incluindo as "Marias Fumaças", as locomotivas a vapor da época. Uma delas, inclusive, a de número 500 explodiu na Estação do Trem causando o maior alvoroço e ferindo algumas pessoas. Pedro Baleiro ficou mancando o resto da vida. Sua perna foi atingida por um parafuso.
A Bomba era o nosso mar. Como Serrinha foi o lugar que Judas deixou suas botas diz-se que Deus falou assim: - Lá não vou colocar nem um braço de mar, nem um rio, nem uma lagoa. Daí que água, para os serrinhenses, era uma coisa divina (e ainda é), caída dos céus e a cidade teve que criar seus próprios açudes: o Gravatá; o antigo Tanque da Nação onde construiu-se depois o mercado municipal que recentemente foi ao chão; o tanque das Abóboras, no governo de Joaquim Hortélio; o tanque da Serisicultua; o tanque de João Devoto, o riachindo do Tiro de Guera e o poço de Sêo Lorens, entre outros.
Mas, nada era tão fascinante quanto a Bomba por sua dimensão, por sua beleza, por sua barragem, tudo muito extenso, daí que a gente achava que era nosso mar embora nenhum de nós conhecessemos o mar verdadeiro. Eu mesmo só conheci quando tinha 11 anos e fui a Salvador com meu pai hospedando-nos na Pensão de Sêo Lisboa e de Dona Neném, que era um reduto serrinhense e ficava na rua Barão de Cotegipe, com o casarão dando de fundos com a Praia do Cantagalo.
As histórias que rolavam sobre a Bomba no meu tempo de menino eram alarmantes: que havia um lobisomem que morava embaixo do pontilhão, que tinha jacaré e este devorou um menino com sua bocarra, que um peixe enorme virou uma canoa de um pescador, que a exurrada da trovoada de novembro foi tão forte que arrastou um boi. A gente ficava com cada boteco de olho enorme ouvindo essas lendas e acreditando.
Tanto que eu e meus amigos da Praça da Usina e adjacências aprendemos a nadar no riacho do Tiro de Guerra que ficava atrás do Posto Fiscal da Transnordestina, hoje, Ponto do Araci. O riacho era formado pelas águas que desciam do Morro do Fundo lá na altura da Rua da Rodagem, seguia pelo sitio de Oséas e, na baixada, formava um tanque raso onde eu e meus amigos aprendemos a nadar.
Primeiro no estilo 'cachorrindo' segurando numa pedra que tinha na beirada e batendo os pés. Os professores eram os meninos que já sabiam nadar. Depois, soltando as mãos e nadando feito um cachorro. Esse era um primeiro estágio. Quando chovia bastante na Serra, o que era raro, o riacho descia forte e ia desaguar na Bomba. E, neste açude, havia dois sangradouros: um que dava em direção a Coité; e um outro, menor que dava para o atual arrauamento dos Treze. Aí formava um tanque maior do que o Riacho do Tiro de Guerra, onde a gente aprendia a nadar de braçada, feito Tarzã.
Nas matinés do cinema passava o seriado de Tarzã e a gente vibrava com o gringo das selvas porque ele além de matar um leão enforcando-o, nadava mais rápido do que um jacaré. Curioso é que ele era branco na terra de africanos. Pronto: nosso treinamento no sangradouro da Bomba era nesse modelo de Tarzã, cabeça pra fora dágua e braçadas. Tinha meninos que caiam na água dando gritos iguais aos de Tarzã.
O terceiro estágio era pra quem já estava craque no nado e aí o desafio era nadar na Bomba, pular do pontilhão e se possivel atravessar a Bomba a nado. Poucos faziam isso.
Nesse arredores tudo era mato, sitios, pequenas fazendas e o bairro da Bomba se limitava a Rua 1º de Janeiro (hoje Bernardo da Silva) e mais outras ruas. A rua da Bela Vista não existia, o bairro da Santa também não existia e a gente atravessa esses locais por trilhas dentro do mato correndo de alguma vaca ou temendo alguma cobra. Ninguém morreu por isso.
Minha mãe ficava aparovada com minhas aventuras temendo que eu moresse afogado e brigava bastante comigo. Meu pai, de vez em quando dava uma cintadas nas minhas canelas. - Você tava no açude - dizia ele - e a madeira cantava. A gente mesmo se denunciava porque a água dos tanques e da Bomba com o sol deixava marcas no corpo. Pra disfarçar e chegar em casa, a gente procurava uma água de tanque de cimento ou passava cuspe nos braços e nas pernas. Não adiantava nada. O cabelo também ficava desalinhado e crespo. Denunciava logo.
Certa ocasião eu e meu primo Franklin Fiúza e mais dois colegas que não me recordo os nomes, creio que Miro tava no meio, tentamos fazer uma jangada com bambus para atravessar a Bomba. Foi um desastre. Não conseguimos sequer concluir a jangada.
Dia desses os meninos do Encontro dos Amigos de Serrinha me falaram em fazer um projeto conjunto para salvar a Bomba, assim como a Conder fez com a Lagoa Grande em Feira. A ideia é boa. Faltava eu visitar a Bomba para ver como ela se encontrava hoje.
Visitei e vi que a Bomba acabou. Virou um pinicão. O antigo Riacho do Tiro, hoje, área do Bairro da Santa, está todo urbanizado e o esgoto com coco e tudo mais desce pela baixada de doutor Samuel e desagua na Bomba.
Não há mais água limpa na bomba. Há pequenos pastos, uma touceira imensa de capim, o Campo da Lixa, invasões de habitações por todos os lados, e até o local da antiga barragem virou rua calçada e com uma capela para São Pedro Apóstolo.
Do outro lado, quem vem do Bairro Nossa Senhora de Fátima, antiga Coruja, mais e muitas casas. Os Treze é quase um bairro e a linha do trem está silenciosa porque não passa nem mais Maria Fumaças nem máquinas a Diesel e há ruas e invasões todos os lados.
Zé Brito, 85 anos, que tem oficina perto da Bomba diz que teme uma trovoada fortissima e que possa afetar as casas que estão em cima da antiga barragem. Curioso: depois da barragem já existe uma praça urbanizada Lúcia Adelina de Jesus e proximo está a Barbearia do Beto e outras casas comerciais.
Então, a Bomba se tiver que fazer um projeto seria de um aterro com saneamento. No mais fica só as lembranças do meu tempo de menino. É uma pena que destuiram também nosso mar da Serra.Fonte:Bahia Já(texto)Tasso Franco