O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar na manhã desta quinta-feira determinando que o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) seja suspenso de seu mandato parlamentar e, consequentemente, da presidência da Casa legislativa. De acordo com a decisão, Cunha continua deputado e com foro privilegiado, mas está com o mandato suspenso.
"O mandato, seja ele outorgado pelo povo, para o exercício de sua representação, ou endossado pelos demais deputados, para a liderança de sua instituição, não é um título vazio, que autoriza expectativas de poder ilimitadas, irresponsáveis ou sem sentido", destacou o ministro, que considerou que existem evidências de que Eduardo Cunha montou uma "rede de obstrução" para se blindar de investigações.
Em sua decisão, Teori Zavascki lembrou que Eduardo Cunha responde a quatro inquéritos que reúnem suspeitas de propinas recebidas de esquemas de corrupção relacionados à Operação Lava Jato e já é réu em uma ação penal relacionada ao petrolão e destacou que, na iminência de a presidente Dilma Rousseff ser afastada de suas funções por causa do processo de impeachment em tramitação no Senado, o peemedebista seria o primeiro na linha sucessória - e eivado de suspeitas de corrupção.
"Não há a menor dúvida de que o investigado não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da República, já que figura na condição de réu", resumiu.
O ministro considerou ainda argumentos de que a condição de investigado de Eduardo Cunha "compromete a harmonia entre os Poderes da República". Na tarde desta quinta-feira está previsto o julgamento no plenário do STF de uma ação que contesta o fato de Eduardo Cunha, como segundo na linha sucessória presidencial, poder assumir interinamente o posto máximo da República mesmo sendo réu.
Teori também citou o fato de o Conselho de Ética ter admitido o processo que pode levar à cassação do mandato de Cunha e afirmou que "o recebimento da acusação disciplinar implica mais uma séria desidratação na imagem institucional da maior instância de representação popular do País, suscitando constrangimentos cívicos que decorrem da leitura do próprio regimento da Câmara dos Deputados".
A liminar de Teori Zavascki atende a um pedido do procurador-geral da República Rodrigo Janot, que em dezembro pediu o afastamento do parlamentar por considerar que há indícios suficientes de que o peemedebista tem utilizado o cargo de congressista para travar investigações contra ele e envolvendo o bilionário escândalo de corrupção do petrolão. Uma das fases da Operação Lava Jato, denominada Catilinárias, foi deflagrada no final do ano passado para colher provas contra políticos suspeitos de atuar para blindar as apurações do petrolão.
"Tal como o mandato parlamentar, o mandato obtido para a direção superior daquela Casa Parlamentar em determinado biênio não pode servir de anteparo para a frustração da jurisdição penal. Se a investidura por sufrágio popular não é bastante para tornar o exercício de mandato eletivo infenso a toda e qualquer forma de controle judicial, tanto menos o será a diplomação obtida por eleição interna, para o exercício de funções executivas.
É certo que no exercício da Presidência da Câmara dos Deputados os riscos de reiteração da prática desses atos, a tentativa de ocultar possíveis crimes e a interferência nas investigações são, obviamente, potencialmente elevados", argumentou Zavascki. Eduardo Cunha já foi notificado sobre a decisão do STF.
Ao pedir o afastamento do deputado, Janot defendeu que a medida era crucial para "garantir a ordem pública", a regularidade das investigações e a atuação normal das investigações do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. O Ministério Público diz que as suspeitas contra Eduardo Cunha são "anormais" e que as acusações contra ele de manter dinheiro de propina em contas secretas na Suíça e de ter recebido propina de operadores do esquema do petrolão podem acarretar a perda do mandato. Ao todo, Rodrigo Janot diz ter reunido onze situações em que Eduardo Cunha usou seu mandato para travar ou pelo menos atrasar as investigações da Lava Jato.
Desde o ano passado, o MP tinha montado uma ofensiva em busca de provas cabais da atuação de Eduardo Cunha para travar a Operação Lava Jato, intimidar desafetos, utilizar aliados em prol de seus interesses e direcionar processos de criação de leis em benefício próprio. Na peça enviada ao ministro Teori Zavascki, o chefe do Ministério Público narra em detalhes cada momento em que Eduardo Cunha, segundo as palavras dele, transformou a Câmara em um "balcão de negócios" em benefício de suas conveniências.
A seguir, os 11 episódios em que o Ministério Público diz que Eduardo Cunha usou o mandato de deputado federal e a presidência da Câmara em proveito próprio.
Obstrução de investigações e pressão a desafetos: Segundo o Ministério Público, Eduardo Cunha utilizou correligionários para apresentar dois requerimentos perante a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara como forma de pressionar o lobista Julio Camargo, delator da Lava Jato e responsável pela acusação de que o peemedebista recebeu 5 milhões de dólares em propina.
Em 2011, a ex-deputada Solange Almeida, aliada de Cunha, solicitou ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), informações muito similares às que o doleiro Alberto Youssef indicou em seu depoimento: dados de contratos, auditorias, aditivos e licitações que envolviam "o Grupo Mitsui com a Petrobras ou qualquer das suas subsidiárias no Brasil ou no exterior". Os requerimentos comprovariam, na avaliação do Ministério Público, que aliados de Cunha fizeram pressão política sobre a Mitsui e o lobista Julio Camargo depois de supostos atrasos no pagamento de propina.
Pressão ao Grupo Schahin: Em episódio semelhante aos requerimentos apresentados pela deputada Solange Almeida, o procurador-geral Rodrigo Janot disse que Eduardo Cunha utilizou sua influência política junto a aliados para intimidar o Grupo Schahin. A PGR aponta que Cunha utilizou deputados para encaminhar requerimentos envolvendo a Barragem de Apertadinho (RO) e, com isso, pressionar para que houvesse pagamento de propina Grupo Schahin.
Em depoimento, Milton Schahin disse que o doleiro Lúcio Funaro atuava em nome de Cunha na estratégia de pressão ao Grupo Schahin. A relação entre Eduardo Cunha e Funaro também é reforçada pelo fato de estar registrado em nome da empresa C3 Produções Artísticas e Jornalísticas, do deputado e da esposa dele Cláudia Cruz, dois carros de luxo pagos com cheques das empresas Cingular e Royster, de Funaro.
Pressão e convocação da advogada Beatriz Catta Preta na CPI da Petrobras: O Ministério Público acusa Eduardo Cunha de ter trabalhado para a convocação da advogada criminalista Beatriz Catta Preta na CPI da Petrobras depois de um dos clientes dela, o lobista Julio Camargo, ter revelado que pagou propina de 5 milhões de dólares ao deputado por contratos de navios-sonda com a Petrobras. "Relevante notar que um dos atos que antecedeu as investidas contra Catta Preta foi justamente a oitiva que Julio Camargo realizada no dia 10 de junho de 2015, no qual revela que Eduardo Cunha foi uma dos beneficiários da propina paga em razão da aquisição dos navios-sonda da Samsung", relata o MP.
Contratação da empresa de investigação Kroll: No embasamento do pedido de afastamento de Eduardo Cunha, o MP diz que a Câmara dos Deputados contratou a empresa de espionagem Kroll exclusivamente para investigar delatores da Operação Lava Jato e, se encontrasse inconsistências nos depoimentos deles, colocar em xeque a credibilidade das revelações trazidas pela Operação Lava Jato. Sobre a atuação da Kroll, diz o Ministério Público: "chama a atenção o fato de nenhum político ter sido incluído na lista e 75% dos alvos serem colaboradores da Justiça. Não que os colaboradores estejam 'blin-dados' de serem investigados, mas salta aos olhos o direcionamento dado à empresa contratada".
Direcionamento da CPI da Petrobras contra o Grupo Schahin e contra Alberto Youssef: Utilizando aliados na fracassada CPI da Petrobras, Eduardo Cunha instruiu deputados a pressionar e constranger o Grupo Schahin, mais uma vez por meio do doleiro Lúcio Funaro. "No exato dia da instauração da CPI da Petrobras, Funaro enviou e-mail afirmando que o Grupo Schahin seria convocado", diz o Ministério Público. Para a acusação, o direcionamento contra a empresa, que não integrava o Clube do Bilhão de empreiteiras da Lava Jato, por exemplo, evidencia o uso do poder de Eduardo Cunha na perseguição a desafetos. "Os fatos narrados visam tão somente demonstrar o desvio de finalidade dos parlamentares mencionados ao exercer a relevante função fiscalizadora ínsita ao Poder Legislativo".
Apontado como um dos principais delatores da Operação Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef teve a família utilizada como forma de pressão na CPI da Petrobras. Nos trabalhos da comissão, o então deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), atual ministro de Ciência e Tecnologia, apresentava requerimentos de convocação de quebra de sigilo contra as filhas, a ex-mulher e a irmã do delator. Pansera foi classificado por Youssef como "pau mandado de Cunha". "Este requerimento de convocação da filhas de Alberto Youssef e de sua ex-mulher teve o único objetivo de intimidar o Colaborador que revelou em depoimento formal à Justiça e ao Ministério Público que Eduardo Cunha foi um dos beneficiários da propina da Petrobras", explica o MP.
Projeto de lei para derrubar acordos de delação premiada: Por meio do deputado aliado Heráclito Fortes (PSB-PI), Eduardo Cunha teria pressionado pela apresentação de um projeto de lei que impede que delatores corrijam informações ou acrescentem dados novos em depoimentos já prestados. Para o procurador-geral, a iniciativa seria uma retaliação ao lobista Julio Camargo, que em depoimento extra disse que pegou 5 milhões de dólares em propina a Eduardo Cunha em uma transação envolvendo a Petrobras e a Samsung Heavy Industries. Ao justificar porque só citou o deputado federal em uma oitiva complementar, Camargo disse que temia a atuação do presidente da Câmara.
Demissão de servidor que contrariou interesses: O Ministério Público aponta ainda que Eduardo Cunha, utilizando sua influência política, demitiu o servidor Luiz Antônio Souza da Eira, então Diretor do Centro de Informática da Câmara dos Deputados, depois de ele ter reconhecido que era de Cunha a autoria de requerimentos de pressão de desafetos, como Julio Camargo.
Atrapalhar funcionamento do Conselho de Ética: A PGR lista as tentativas de Cunha e aliados de barrar o andamento do processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara. Parlamentares do conselho levaram ao Ministério Público evidências de que aliados do peemedebista tentaram travar as votações com questões de ordem, de que Cunha demorou a ceder um auditório para realizar a sessão inicial e abriu votações no plenário - a chamada ordem do dia - antes do horário comum para forçar o encerramento da reunião no colegiado. Um aliado de Cunha, o deputado Felipe Bornier (PSD-RJ) chegou a anular a sessão por completo. Na última cartada, um recurso à Mesa Diretora, o primeiro relator do caso, deputado Fausto Pinato (PRB-SP), foi destituído do cargo.
Ameaças a Fausto Pinato, ex-relator do processo de cassação no Conselho de Ética: Janot ligou a Eduardo Cunha as ameaças que o ex-relator do processo contra o peemedebista no Conselho de Ética, deputado Fausto Pinato (PRB-SP), contou ter recebido por meio de seu motorista, depois de assumir o caso. O deputado disse que mantinha bom relacionamento geral, mas passou a ser assediado depois de relatar a representação contra Cunha. Um funcionário do gabinete de Pinato contou ter sido abordado em Fernandópolis (SP), ao deixar a mulher e a filha do deputado em casa, por dois motoqueiros que faziam menção ao processo e em mandar o deputado "para o céu". O motorista depôs e confirmou o teor da denúncia.
Novas ameaças e oferta de propina a Fausto Pinato: Pinato também afirmou ter recebido oferta de propina de desconhecidos. A Polícia Federal apreendeu no bolso de um paletó e no escritório da residência de Cunha boletins de ocorrência referentes às denúncias de Pinato.
Oferecer o mandato como 'balcão de negócios' ao BTG e à OAS: A PGR obteve cópias de mensagens em que Cunha, por e-mail e Whatsapp, combina com Léo Pinheiro, executivo da OAS, e Manuel Ribeiro, também da OAS, a aprovação de emendas em Medidas Provisórias (MPs) para beneficiar os interesses da empreiteira. Apelidado de "escriba", Ribeiro era o elo da OAS com Cunha e "elaborava os projetos e medidas para tramitar na Câmara.
O Ministério Público também obteve indícios de que Cunha atuava em conluio com André Esteves, do BTG Pactual, a fim de ter favorecimento a bancos em processo de liquidação. Rodrigo Janot apontou ao todo onze MPs em que Cunha articulou para beneficiar as empresas, em detrimento do interesse público. Segundo a PGR, Cunha pôs o mandato à disposição das empresas pelo menos desde 2012 e usava influência em parlamentares aliados para conseguir modificar os textos das leis. Em troca, obtinha propina e doações eleitorais para si e para aliados. Um dos indícios é o manuscrito com relato de que ele teria recebido 45 milhões de reais para beneficiar o BTG.Fonte:Veja