RIO- Músicos que não conseguem tocar seus instrumentos. Cirurgiões incapazes de segurar um bisturi. Em comum, as dores e as inflamações da chicungunha, epidemia que deixa muitos profissionais sem condições de trabalhar no Rio. Detalhes dos danos causados pela doença estão no primeiro estudo do mundo a descrever as alterações radiológicas da chicungunha. A pesquisa reforça a tese de que as mulheres são mais vulneráveis ao agravamento da infecção.
Na foto o virologista Pedro Fernando da Costa VasconcelosAumento da temperatura reaviva o medo de epidemia de chicungunha
— Nosso trabalho também é o primeiro a fazer referência direta ao município do Rio de Janeiro. Analisamos mais de 400 exames, a maior amostra do mundo de exames radiológicos de chicungunha. A epidemia avançou muito no Rio. Hoje, quando um paciente aparece com dores articulares, a primeira coisa que o médico deve pensar é chicungunha — explica Roberto Mogami, coordenador da pesquisa e professor de radiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O estudo foi realizado em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Eles analisaram casos de 52 pacientes atendidos nos hospitais universitários. Em comum, pessoas doentes há mais de três meses. Nada menos que 88,5%, mulheres.
— O motivo não sabemos, mas as mulheres são as mais afetadas — observa Mogami.
O problema mais comum, encontrado em todos os pacientes, são artrites e tenossinovites (inflamações em torno dos tendões). Lesões que levam à síndrome do túnel do carpo e causam fraqueza e dor nas mãos são frequentes. No estudo, acometeram 30% dos pacientes.
— A síndrome do carpo causa muita dor, a pessoa não consegue escrever nem usar as mãos direito — frisa Mogami.
Há casos mais graves, com destruição óssea. Outros em que as vítimas desenvolveram doenças reumatológicas crônicas, como a artrite reumatoide (reumatismo). Ocorre o agravamento de complicações pré-existentes, como hérnias, tendinites e bursites.
— O papel da ultrassonografia é identificar com precisão as lesões, acompanhar a evolução da doença e do tratamento. O mais triste é saber que não há estrutura para oferecer atendimento, o sistema de saúde está precário. Os pacientes ficam com dor e à deriva — diz o professor da Uerj.
VERÃO AINDA PIOR EM 2017
As dores das vítimas da chicungunha são acompanhadas com preocupação pelo reumatologista Luis Roimicher, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Artrite da UFRJ e colaborador de pesquisas do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, um dos centros pioneiros no estudo de zika e chicungunha no país.
— A chicungunha representa uma ameaça gigantesca à saúde pública, causa incapacitação temporária dos pacientes. Tem gente que sente tanta dor que não se mexe nem para ir ao banheiro. Para piorar, cerca da metade dos casos evolui para a forma crônica, na qual as dores e as inflamações perduram por mais de três meses. As pessoas não conseguem trabalhar, não retomam a vida normal. Some isso a um estado falido e veja a dimensão do problema — salienta Roimicher.
O grupo dele observou o aumento dos casos no verão de 2016 e considera provável que o de 2017 seja pior.
— Tivemos este ano ruas no Méier e em bairros da Zona Oeste em que quase todos os moradores contraíram chicungunha. Exames moleculares mostraram um cenário tão sério que houve pacientes infectados simultaneamente por zika e chicungunha ou dengue e chicungunha — conta.
Tanto dengue quanto chicungunha provocam dores, mas as do segundo têm se manifestado com mais intensidade e durado por mais tempo. Estudos nas Ilhas Reunião e em países asiáticos mostram que as dores da chicungunha podem perdurar por até seis anos.
— Há também casos em que a doença parece ir e vir. Tivemos uma paciente que pareceu boa, mas um mês após o desaparecimento dos primeiros sintomas, quando ela já tinha voltado a se exercitar numa academia, as dores voltaram. A chicungunha é uma epidemia nova, ainda há muito a pesquisar — frisa Roimicher.
Como muitas infecções virais, a chicungunha não tem tratamento específico. Os médicos combatem os sintomas e não o vírus. O processo inflamatório e as dores que provoca em articulações, músculos e ossos são tratadas com esteroides e anti-inflamatórios, medicamentos que podem provocar efeitos colaterais com o uso prolongado.
No estudo coordenado por Roberto Mogami, a maioria dos pacientes fazia uso de corticoides.
— Os pacientes ficam desesperados de dor, não têm dinheiro para ir ao médico e não encontram atendimento na rede pública. Recorrem à automedicação, mas o uso prolongado dos anti-inflamatórios é perigoso — adverte o médico, que pretende estudar numa segunda etapa da pesquisa um outro complicador: a ligação entre a infecção por chicungunha o aparecimento de doenças autoimunes, como psoríase, lupus e diabetes. No estudo já realizado, isso foi visto em 5% dos casos.Fonte:O GLOBO