Acusado durante os 28 anos em que esteve no comando de um talk-show de falar mais que os convidados, Jô Soares honrou a fama e fez da sua última entrevista no formato na Rede Globo, com o cartunista e amigo pessoal Ziraldo, uma espécie de auto-entrevista. Ziraldo foi apenas o espelho com que Jô pôde se enxergar, relembrar a trajetória e rever trechos de conversas que teve com as tradicionais canecas que acompanham a decoração do programa, enfileirados em clipes divertidos, quase todos com convidados anônimos. Ao final, o que ele chamou de “fecho de ouro”: um trecho da entrevista com Roberto Marinho que foi ao ar na estreia da atração na Globo, em 2000, depois de doze anos no SBT — outro ex-patrão, Silvio Santos ganhou agradecimento duas vezes no início do programa, por ter “aberto a porta” para o projeto do humorista que Boni não quis bancar no Rio. “Um até logo, e a gente volta já”, finalizou Jô, como se terminasse mais uma noite qualquer.
A despedida prosaica tem duplo sentido. Tanto pode corresponder ao desejo do apresentador de fazer do último um “programa normal”, mas também que não pretende ficar parado e que já pensa em retornar à televisão. Especulações não faltam: de que o SBT poderia recebê-lo de volta, tese que já esfriou, ou de que poderia migrar para um dos canais pagos do Grupo Globo. Por ora, a única coisa certa é que, em 2017, a Globo vai entrar na briga pela audiência em uma faixa cada vez mais concorrida, pela presença de Fábio Porchat na Record e de Danilo Gentili e da ainda combativa A Praça É Nossa no SBT, com um novo talk-show, pilotado pelo jornalista Pedro Bial, que passa a apresentação do reality show Big Brother Brasil para Thiago Leifert.
Jô Soares chegou ao palco ao som de Smoke on the Water, de Deep Purple, e dedicou os primeiros minutos a cumprimentar a plateia, lotada de amigos como o apresentador Serginho Groisman, a executiva Marluce Dias da Silva, ex-toda-poderosa da Globo que chamou o humorista de volta ao canal depois de mais de uma década em São Paulo, e o publicitário Nizan Guanaes. Havia quem enxugasse lágrimas já na entrada do gordo, que em seguida se pôs a declamar uma imensa lista de agradecimentos — aos amigos, à equipe e a Silvio Santos, que seria citado novamente pouco depois. Veio um clipe de entrevistas e Ziraldo se sentou no sofá para dar início à revisão da carreira de Jô, a partir de cópias de desenhos que o cartunista fez para espetáculos e programas do amigo, inclusive na extinta TV Tupi, reunidos em uma caixa entregue como presente ao humorista.
Em meio às memórias, Jô foi falando do talk-show e de si mesmo, do que aspirava fazer com o programa e da vida. Disse que o seu maior objetivo sempre foi entrevistar anônimos e fazê-lo sem cerimônia, por isso resolveu adotar “você” como forma de tratamento para todos os convidados, de um ministro de Estado ao vendedor ambulante que se sentasse ali com ele. No começo, sentiu resistência, mas a prática se revelaria válida para criar intimidade com o entrevistado e encorajá-lo a falar. “Quando fui entrevistar o (ministro Otávio Gouveia de) Bulhões, decidi que não fazia sentido chamar ministro de ‘senhor’ e o motorista de ‘você’, porque, no Brasil, isso é uma coisa de classe social. Então, meu amigo Otto Lara me ligou e falou ‘Você chamou o doutor Bulhões de ‘você’, não pode!’. Uma semana depois, entrevistei o Luís Carlos Prestes e fiz a mesma coisa. Na primeira vez, ele me olhou. Com 15 minutos de conversa, ele estava à vontade e declarou ‘Olga foi a grande paixão da minha vida’, coisa que nunca tinha dito a ninguém. Otto me ligou e disse: ‘Você tem razão, nunca vi Prestes tão à vontade’”, relembra o apresentador.
Sem derramar uma lágrima, Jô Soares manteve o bom humor — lembrou uma piada de Max Nunes ao homenagear o padrinho: “Uma vez, entrevistei um paraquedista ele me soprou ao ouvido: ‘Diz para ele que o pára-quedas é o único meio de transporte que, quando enguiça, chega mais rápido” — e se esbaldou com histórias suas. Foi de fato, como o próprio havia prometido, um programa semelhante aos outros que comandou. E que pode voltar a comandar. Até logo, Jô.Fonte:Veja