Há uma semana, elas vivem debaixo de sol e chuva. Algumas passaram dias sem dormir ou tomar banho. Outras tiveram febre, dores de garganta, gripe e insolação. Juram que, apesar da aparente unidade e da velocidade com que se organizaram, mal se conheciam até o início dos protestos. Mesmo diante da ilegalidade do movimento, não arredaram o pé das portas dos quarteis da Polícia Militar. Tudo por uma causa: arrancar do governador Paulo Hartung (PMDB) um inviável aumento de 47% no salário de seus maridos, pais e filhos policiais.
VEJA passou um dia com as líderes à frente da paralisação da PM no Espírito Santo, nos dois principais pontos de concentração do movimento: o Quartel General Central, em Vitória, guardado por cerca de 30 mulheres, e o 4ºBPM, em Vila Velha, onde se reuniam outras 50. Irredutíveis quanto à questão salarial, elas acusam o governo de excluí-las da reunião no qual foi fechado o último acordo, que previa a retirada das punições aos militares que não voltassem ao trabalho.
Para grande parte da população capixaba, elas carregam nos ombros o peso das 146 mortes que mancharam o estado do Espírito Santo – e a reputação da Polícia Militar. As mulheres rebatem o argumento: “Essas mortes estão na conta do governador, que nunca valorizou a polícia capixaba. No entanto, sempre sobra dinheiro para o Carnaval e para a publicidade do governo. É muito difícil acreditar que não haja dinheiro para nossa categoria”, disse L., uma das porta-vozes do movimento, que não quis se identificar. “Não suporto mais ouvir meu marido chegar em casa reclamando que vai trabalhar sem colete, em viatura velha e com armamento fraco”.
Quando questionadas, as líderes do movimento insistem em dizer que a manifestação não é ilegal, por se tratar de uma iniciativa das mulheres, e não dos PMs – proibidos por lei de fazer greve. Mas paralisar a polícia e deixar a população vulnerável no quesito segurança é a melhor forma de se manifestar? “Sinceramente, não penso que haja outra forma de chamar a atenção”, respondeu à VEJA S., de 23 anos, que ficou durante seis dias na frente do Quartel General da PM, em Vitória.
Nos últimos sete dias, vários civis passaram em frente ao QGC implorando pelo fim do movimento. Durante a tarde de sábado, um motoqueiro estacionou em frente ao local, gritando palavras de apoio ao governo e pedindo, aos prantos, que os policiais voltassem ao trabalho. As mulheres não responderam. Apenas deram as mãos e começaram a cantar músicas cristãs. “Os louvores são uma forma de não entrar em bate-boca”, explicou S. Orações em grupo, inclusive, são uma prática frequente nos grupos – ambos de maioria evangélica
“O sereno da madrugada é o mais difícil”, conta D., de 53 anos, uma das mais velhas do grupo que protesta em frente ao QGC, onde estiveram bloqueados cerca de 120 policiais. Na manhã de sábado, ela já estava rouca e reclamava de dores de garganta. Mesmo assim, teve fôlego para cantar o hino nacional enquanto se abraçava ao portão do quartel. “Já chorei muito segurando esse portão. Ele é o coração do movimento. Se parar de bater, tudo desmorona”, conta D., que está no local desde segunda-feira, enquanto o marido policial está em casa.
A maioria das lideranças passa a noite acordada. As vagas na barraca são revezadas por quem mora longe e precisa cochilar. Nos dias de chuva, as idosas e grávidas têm prioridade debaixo das tendas. Encontrar banheiros é outro desafio. As manifestantes que moram perto cederam suas casas. Mas, durante os dias de caos, quando caminhar pelas ruas era um risco, muitas ficaram sem banho. A., de 36 anos, passou um sufoco com falta de absorvente e teve que lavar suas roupas na pia do banheiro da Corregedoria. “Precisei emprestar roupas de uma colega que mora perto”, contou.
Apesar de o movimento ter sido classificado como chantagista pelo governador e de ter acarretado o indiciamento de 703 policiais, há quem apoie a ação das mulheres. São pessoas que sustentam as grevistas, através de doações de garrafas de água, café, pães, bolos, biscoitos e outros mantimentos. No sábado à tarde, por exemplo, trinta “quentinhas” foram entregues às manifestantes. Em Vila Velha, as doações foram mais fartas. O grupo chegou a receber um fogão de quatro bocas, geladeira e televisão.
Ao longo da semana passada, o controle do trânsito de policiais no quartel foi bastante rígido. Quem entrava, não saia. Na manhã de sábado, no QCG, uma capitã da reserva alegou querer entrar “para dar uma palavra de conforto” aos militares. Foi barrada. Além disso, as militantes acusam os oficiais de alta patente de fazerem “pressão psicológica” para que os soldados e cabos forcem a saída das mulheres. “Temos certeza de que eles estão sendo manipulados, mas não terão coragem de passar por cima da própria família”, disse uma grevista.Fonte:Veja