sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
Fui fazer abdominal e fiquei paraplégica
O médico chamou minha mãe para um canto e falou algo. Ela imediatamente caiu no chão, aos prantos. Não consegui escutar a conversa – emergência de hospital é lugar barulhento! Mas naquele momento eu soube: estava paraplégica. E tinha ficado assim por causa de um... abdominal!
Fazia quatro meses que eu havia virado “rata de academia”. Embalada pelo fim de um namoro e determinada a me livrar de 9 kgs extras que o hipotireoidismo havia colocado sobre meu corpo, acabei viciada em malhar. Por isso, mesmo cansada e suada, resolvi esticar o treino no fim daquela tarde de sexta-feira com uma série de abdominal morcego – aquele em que você eleva e abaixa o tronco enquanto fica pendurada de cabeça para baixo numa barra, sabe?
Enquanto colocava um caixote de madeira embaixo da barra para conseguir subir nela, pedi que um amigo filmasse minha performance. Na terceira repetição, me desequilibrei e caí de nuca no caixote (veja o vídeo). Em segundos o pessoal da academia me rodeou, desesperado. Mantive a calma e tentei me levantar. Quando vi que minhas pernas não respondiam ao meu comando, pedi que não me movessem. “E chamem minha mãe!”, gemi, enquanto uma dor impensável se espalhava pelo meu corpo todo.
“Você nunca mais vai andar”
Minha mãe logo chegou, olhos arregalados de medo. Para não assustá-la ainda mais, me segurei e não chorei. Só transpareci meu sofrimento quando os socorristas do SAMU – que demorou 40 minutos para chegar... – colocaram o colar cervical no meu pescoço. Uivei de dor!
Fui levada para um hospital público, onde me atenderam com urgência por causa da pancada na cabeça. Após uma tomografia, chegaram a duas conclusões: uma vértebra havia sido quebrada e eu nunca mais iria andar.
Sete horas depois de dar entrada no pronto-socorro, fui transferida para uma clínica particular. Vivi um pesadelo nos 20 km até lá! A dor causada por cada solavanco me tirava o fôlego. Como a lesão era no osso, os analgésicos não davam conta. Só no dia seguinte eu senti algum alívio. E foi meramente físico, pois o médico que veio me ver explicou que a medula estava bastante prejudicada, muito provavelmente perfurada. “É possível que você chegue a se levantar um dia, mas caminhar? Nunca mais!”, cravou.
E mais essa: a cirurgia infeccionou!
Não acreditei no veredito do doutor. A gente nunca pensa que uma coisa dessas vai acontecer com a gente. Por isso, quando acontece, custamos a aceitar. Além disso, recebi tantas visitas no domingo, que me senti amada, forte. Sem pensar direito no que tinha acontecido, eu nem consegui ficar triste..
Na segunda à noite, passei 4h30 na mesa da operação, numa cirurgia destinada a colocar minha coluna no lugar. Puseram duas hastes de titânio e 12 parafusos e descobriram que a medula não tinha sido perfurada. Opa, eu tinha chances de voltar a andar. Porém, o processo demoraria de um a dois anos. E eu nem imaginava, mas antes dele teria de enfrentar um desafio mais urgente: uma osteomielite.
Trata-se de uma infecção no osso – como demorou três dias para fazerem a cirurgia, juntou sujeira do próprio organismo no local da lesão, que infeccionou. Resultado? Dor, dificuldade de comer e um corte que não fechava por nada. Nesse momento, meu estado tinha passado de grave para gravíssimo, disseram para os meus pais esquecerem a chance de voltar a andar ou não e só se preocuparem com a minha vida, que estava em risco. Depois de duas semanas tomando antibióticos sem sucesso, voltei para a sala de operações. Lá, limparam a lesão e controlaram uma hemorragia interna.
Correu tudo bem no procedimento, mas três dias depois dele uma enfermeira que me ajudava a tomar banho me tirou da cama e me soltou. Caí no chão, o dreno rompeu e começou a sangrar. Naquela noite, tive febre e desmoronei. Toda força de até então foi para o ralo. Chorei sem parar, me senti fraca e incapaz. A febre me impôs uma terceira operação, para limpar novamente e evitar outra infecção. O tormento parecia não ter fim!
A ficha caiu... e eu me desesperei!
No dia 30 de outubro, após quase um mês internada, tive alta. Foi a maior alegria do mundo para mim, eu chorava de emoção. Mas a euforia virou desespero logo após o jantar. É que, ao perceber como seria complicado me locomover de cadeira de rodas em casa, tive a dimensão do quanto seria difícil me recolocar na vida e no mundo.
Foi a pior noite da minha vida. Em desespero, me permiti chorar e desejei ter morrido. Mesmo com o apoio dos meus pais e dos meus irmãos, vivenciei os primeiros dias como que num pesadelo. Que só teve fim quando um anjo chamado Serginho adentrou a porta do meu quarto.
Fisioterapeuta e amigo do meu irmão, ele veio me visitar e me resgatou do fundo do poço. Sem me prometer nada nem me dar prazos, me ensinou a acreditar de novo na minha recuperação. Me encheu de esperança ao dizer que lutaria comigo para que eu recuperasse meus movimentos.
Já na primeira visita iniciou seu trabalho. Eu não mexia nada da cintura para baixo. Fazia sessões todos os dias, de 1h a 3h. Após inúmeras tentativas de fazer meu pé mexer, senti como se minha pele estivesse esticando. Eram meus dedos respondendo ao meu comando! Foi muito leve, mas tão intenso que acordei minha mãe para perguntar se era real. Ela filmou, acordou a casa toda, que vibrou, emocionada.
Aquilo foi decisivo para que eu acreditasse mais na minha recuperação. Evolui nas sessões de físio e fazia lições de casa quando Serginho ia embora. Duas semanas após sair do hospital, consegui levantar. Comecei, então, a treinar dar passos e, segurando no pescoço do Serginho, andei. Meu pai comprou um andador para mim e uma amiga me emprestou muletas. No natal de 2013, dei os primeiros passos sem ajuda.
Precisei de terapia para me sentir confiante de novo
Levei quase um ano para retomar minha rotina normal, com direito a trabalhar e treinar com personal. Precisei fazer terapia para voltar a me sentir confiante com o apoio da muleta ou da cadeira de rodas. Havia perdido a vontade de ir para rua. Eu via as pessoas me olhando sem entender ou questionando o fato de uma paraplégica se divertir.
Meus amigos me ajudaram e me levantaram muito, brincavam com a situação e me divertiam. Aprendi que tudo dependia de como eu reagiria. Mas paquerar era muito difícil. Uma vez, num bar, um cara me paquerava enquanto eu estava sentada. Quando levantei com a muleta, ele desviou o olhar e fingiu que nada tinha acontecido. Isso me destruiu, mas ao mesmo tempo me fez entender que minha condição afasta muita gente que não acrescenta em nada.
Passei a postar sobre isso no blog Go, Gena (que comecei a fazer quando ainda estava internada). Uma amiga me indicou para uma fotógrafa que tinha um projeto para recuperar a autoestima das mulheres e ela me convidou para posar. Achei o resultado tão incrível que percebi que não existe diferença de beleza pela limitação física. Sou bonita sim e pronto. Ninguém tinha que se lamentar pela minha situação.
Parte de mim foi embora no acidente
Não tem como alguém passar pelo o que eu passei e continuar igual. Eu sou outra. Aprendi a acreditar mais em mim, não me deixar abalar pelas coisas difíceis e a escolher melhorar cada dia mais. Fiquei forte. Eu era muito inquieta e insatisfeita com tudo. Hoje vejo o lado bom de todas as coisas.
Passei no concurso de escrivã da polícia civil, estou escrevendo o livro da minha história e participo de palestras motivacionais. Eu me arrependo demais de ter pensado em morrer, mas fez parte de um momento de desespero. Faz três anos e quatro meses do acidente e minha vida é dez mil vezes melhor hoje.
Bom senso e acompanhamento profissional evitam lesões em atividades físicas
Praticar exercícios físicos é essencial para a saúde, mas para funcionarem e terem resultados positivos são necessários alguns cuidados. André Nogueira, fisioterapeuta e sócio-fundador da Club Fisio, indica três passos para o preparo do corpo antes de começar qualquer exercício físico:
- Fazer um bom check-up. “Não podemos começar antes de saber se está tudo ok”, salienta André.
- Fazer uma boa avaliação com um fisioterapeuta ou profissional da área.
– Fazer alongamentos antes de todo e qualquer treino.
Nogueira dá ainda um alerta quanto à prática: “Mesmo com acompanhamento de um profissional, alguns exercícios não são indicados e podem ser substituídos por outros; é o caso do abdominal morcego”, explica.
Portanto, por mais que tenha acompanhamento de um profissional, é necessário discernimento, identificando seus limites. Sentiu que a intensidade da atividade excede seu condicionamento físico? Faça uma pausa e troque de exercício.Fonte:UOL