Na minha coluna de sexta, na Folha, tratei como matéria de ficção um suposto “acordão” entre o presidente Michel Temer e dois de seus antecessores no cargo: Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Ora, acordão em torno do quê?
Há absurdos de várias naturezas contidos nessa fantasia. E cumpre esmiúça-los. Comecemos pelo óbvio: essa conversa nasce no mesmo lugar em que germinou a tese farsesca da anistia ao caixa dois: o Ministério Público Federal, cujo chefe é Rodrigo Janot.
Não se anistia o que não é crime, certo? Os senhores procuradores é que terão de demonstrar a contrapartida oferecida pelo político em razão da doação recebida. Se não o fizerem, não terão como transformar caixa dois em corrupção passiva. E o MPF sabe disso. Finge não saber para poder acusar depois o Judiciário de patrocinar a impunidade.
Má consciência e falácia
Quanto ao acordão, o que se tem aí é mistura de má consciência com falácia lógica. A má consciência deriva do fato de que todos os observadores da política — e isso inclui os jornalistas — sabem, a esta altura, que o Ministério Público Federal tem um projeto político, pouco importa se tem ou não candidato, e pretende ser o Poder dos Poderes. Ora bolas: os bravos de Rodrigo Janot e Deltan Dallagnol avançam até em áreas restritas à Polícia Federal e à Controladoria-Geral da União. Nada escapa!
Como esse projeto é evidente, aposta-se que, em algum momento, haverá uma reação… E a reação, ora vejam, infelizmente, não chega porque os políticos estão acovardados pela patrulha permanente.
Acordão? Que acordão?
Li a reportagem original da Folha sobre o dito cujo. E eu o fiz, como disse, com a caneta na mão, grifando aqueles que seriam os pontos do tal acordão. E encontrei lá, por exemplo, “fim das coligações proporcionais” e “cláusulas de barreira”. Mas esperem: projetos assim estão no Congresso há anos. Não há um só defensor de uma reforma política decente que não inclua esses itens na pauta. Já estava no texto do então relator petista, Henrique Fontana (RS), em 2012.
Outros truques que presidente e ex-presidentes estariam articulando: “financiamento público de campanha” e “voto em lista”. Bem, tenham a santa paciência, não é? O STF cometeu a bobagem de declarar inconstitucional a doação de pessoas jurídicas. De onde sairá o dinheiro de 2018? De pessoas físicas, apenas, não será. Vamos deixar a disputa por cargos federais e estaduais à mercê do crime organizado, é isso?
Como o financiamento não pode ser de empresas, tem de ser público. E, se público, que alguém aponte, já desafiei, uma alternativa ao voto em lista. Será que é preciso que Temer, Lula e FHC entrem nessa parada para que o óbvio seja visto como… óbvio?
Congresso acovardado
E não que a aprovação desses dois mecanismos sejam favas contadas. Não são, não! Essa gritaria do moralismo xucro contra o que seria apenas uma ponte para 2018 pode contribuir para que tudo fique como está. Embora não seja minha obrigação, fiz uma proposta: para as próximas eleições, valem esses dois mecanismos. Para 2022, volta a doação de pessoas jurídicas, na forma lei, e se institui o voto distrital misto.
Também não é obrigação de Elio Gaspari apresentar soluções — afinal, não fazemos provas do Enem, né? Mas vejam só: quando um colunista diz que uma suposta articulação de Temer, Lula e FHC beiraria a “formação de quadrilha”, acho que está obrigado a apontar a saída, sim! Não haverá doação de empresas para 2018, Elio. Se não houver a pública, tudo fica como está. E Marcola se encarregará do resto.
FHC
Nas redes sociais, FHC negou com veemência qualquer esforço nesse sentido. Foi taxativo: “Não participei e não participo de qualquer articulação com o presidente Temer e com o ex-presidente Lula para estancar ou amortecer os efeitos das investigações da Operação Lava Jato. Qualquer informação ou insinuação em contrário é mentirosa”.
E o ex-presidente emenda: “O diálogo em torno do interesse nacional é o oposto de conchavos. Deve ser feito às claras com o propósito de refundar as bases morais da política”.
É isso.
Com a devida vênia, essa história de acordão é mais um fantasma, a exemplo da anistia ao caixa dois, com que o Ministério Público Federal pretende assombrar a política e intimidar o Parlamento.
Quem dera o Congresso tivesse a coragem de fazer o que tem de ser feito para impedir que o país caminhe para o buraco. Mas temo que não tenha, com receio desse patrulha que trata até o debate político como associação criminosa e conspiração.
Se há conspiradores na República, são aqueles que pretendem impor a sua vontade e a sua verdade, ainda que ao arrepio das leis.Fonte:Veja