A comunidade jurídica brasileira foi pega de surpresa com o anúncio na noite desta segunda-feira (4) da possibilidade de revisão do acordo de delação premiada dos executivos da JBS, como Joesley Batista, feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O pedido passará pelo crivo do Supremo Tribunal Federal (STF) diante de possíveis omissões de informações por parte dos delatores, e que podem envolver membros da própria Procuradoria Geral da República e ministros do STF. De acordo o professor de processo penal, doutorando em Direito, Vinicius Gomes de Vasconcellos, “os acordos de colaboração premiada homologados possuem cláusulas com hipóteses de rescisão por descumprimento”.
Ele é autor do livro Colaboração Premiada no Processo Penal, que deverá ser lançado no próximo mês de outubro. “No termo do acordo do MPF [Ministério Público Federal] com Joesley, a cláusula 26 prevê: ‘O acordo perderá efeito, considerando-se rescindido, nas seguintes hipóteses: (...) b) se o colaborador mentir ou omitir, total ou parcialmente, em relação a fatos ilícitos que praticou, participou ou tem conhecimento; (...) e) se ficar provado que, após a celebração do acordo, o colaborador sonegou, adulterou, destruiu ou suprimiu provas que tinha em seu poder ou sob sua disponibilidade, assim como fatos ilícitos de que tivesse conhecimento’".
Para o jurista, a situação atual, conforme as informações veiculadas até este momento, “se confirmada a suspeita apontada pelo procurador-geral da República hoje, poderia ensejar a rescisão do acordo, com a revogação de seus efeitos”. “Isso poderá ser requerido pelo MPF ao STF, que é quem efetivamente decidirá se houve ou não descumprimento do acordo homologado”. A repactuação do acordo ainda está prevista na cláusula 3 do acordo de Joesley. "Identificado fato ilícito praticado pelo colaborador que não tenha sido descrito nos anexos que integram este acordo, inclusive após o transcurso do prazo fixado no parágrafo anterior, o procurador-geral da República poderá repactuar a presente avença ou rescindi-la, submetendo, em qualquer caso, ao Juízo homologatório”.
O professor afirma que a revisão do acordo não dará margem para o presidente Michel Temer e outros alvos da delação de questionarem a validade da colaboração premiada. “O STF e o STJ [Superior Tribunal de Justiça] possuem jurisprudência consolidada no sentido de que terceiros - pessoas alheias - ao acordo não possuem legitimidade para impugnar a validade do acordo homologado”. Mas ele assevera que um descumprimento dos termos pelos delatores, “pode ser uma possível tese defensiva para reduzir o peso das provas eventualmente produzidas a partir da colaboração rescindida”. Se o acordo for rescindido, Joesley Batista poderá se tornar alvo de uma denúncia do MPF, com pedidos de prisões preventivas, que poderá ser acatado por um juízo competente.
A rescisão do acordo ainda implicará na perda automática aos benefícios que foram concedidos aos delatores. Vinicius Vasconcellos salienta que no próprio acordo há a previsão de se manter a validade de todas as provas produzidas, “inclusive depoimentos que houver prestado e documentos que houver apresentado, bem como válidos quaisquer valores pagos ou devidos a título de multa”. “Já o art. 4o, § 10 da Lei 12.850/13 (que regula a colaboração premiada): ‘As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor’. Embora se refira a caso de retratação, que é distinto de rescisão, o efeito de manutenção das provas produzidas pode ser semelhante, ou seja, podem ser utilizadas contra outros imputados, mas pode se discutir se as provas poderão ou não ser utilizadas contra o próprio delator.
Isso deverá ser eventualmente analisado pelo STF no futuro”, diz o doutorando. Ainda de acordo com Vinicius Vasconcellos, se o acordo for revisado, abrirá um precedente importante “que determinará de modo mais claro as hipóteses de rescisão de acordos”. Ele lembra que houve casos de "recall" de acordos anteriores, em que colaboradores foram chamados para apresentar mais provas e dar mais declarações. “Contudo, nos acordos recentes e amplamente divulgados, ainda não houve caso de rescisão noticiado”, conclui.FONTE:Veja