"Eu vivo em prisão domiciliar sem tornozeleira eletrônica." A frase repetida por Jair Bolsonaro para definir o cotidiano de um presidente resume o isolamento político em que ele se colocou nos cem primeiros dias de seu mandato, completados nesta quarta-feira (10).
No período, não conseguiu formar uma base aliada, enfrentou desgaste com os filhos, viajou pouco pelo país, cercou-se de um núcleo ideológico e se confinou nas redes sociais, onde criou polêmicas.
Após três meses marcados por tropeços e conflitos, o presidente iniciou uma reestruturação do governo, que deve ser intensificada a partir da próxima semana.
Ele discute mudança da estratégia de comunicação, alterações na Esplanada dos Ministérios e troca na equipe de articulação parlamentar.
A ideia principal é renovar o grupo considerado ideológico, responsável por crises políticas nesses três primeiros meses, e priorizar uma visão mais pragmática de gestão pública.
Nesse sentido, duas mudanças já foram feitas. Uma é a troca no Ministério da Educação, do qual o olavista Ricardo Vélez foi retirado para dar lugar ao economista Abraham Weintraub, também aluno do guru do clã Bolsonaro, mas treinado em gestão.
Na Comunicação, uma das áreas mais sensíveis nesses cem dias, Bolsonaro trocou o chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Especial), substituindo o publicitário Floriano Amorim pelo empresário Fabio Wajngarten.
Sob a bandeira do que chama de "nova política", o presidente não criou um canal de diálogo com dirigentes partidários e desenvolveu relação frágil com o Congresso, pondo em risco uma das prioridades do mandato: a aprovação da reforma da Previdência.
Para superar o ponto fraco, ele pretende criar um conselho político, com líderes e presidentes das legendas, e deve fazer troca na interlocução com os parlamentares.
A ideia é retirar da função de líder do governo o deputado federal Major Vitor Hugo (PSL-GO), avaliado como inexperiente pelo Planalto.
Em sinalização ao PRB, legenda ligada à Igreja Universal e a primeira recebida em ofensiva para formar uma base aliada, o presidente considera para o posto os deputados João Campos (PRB-GO) e João Roma (PRB-BA). O partido ainda discute se fará parte da coalizão governista.
A avaliação é que os demais integrantes da articulação têm atendido às expectativas --a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) e o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) devem ser mantidos na equipe de líderes do governo.
Auxiliares do presidente reconhecem que o Planalto errou na escolha de Vitor Hugo e na forma como ele foi apresentado como líder, sem consulta aos parlamentares.
Para tentar melhorar a interlocução legislativa, uma corrente do governo defende a recriação da Secretaria de Relações Institucionais, que dividiria com a Casa Civil a articulação política.
Outra alteração em análise é a dissolução da Secretaria-Geral da Presidência, criada para abrigar o então braço direito de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, demitido em fevereiro. O cargo é hoje ocupado pelo general Floriano Peixoto.
"Nos cem primeiros dias, o maior acerto foi a composição de um ministério técnico e capacitado", avaliou à Folha de S.Paulo o vice-presidente, Hamilton Mourão. "E a comunicação e a articulação política precisam melhorar."
Na última segunda-feira (8), Wajngarten assumiu a Secom para reforçar a estratégia de comunicação do governo. Ele terá como primeira grande missão reverter a imagem negativa da reforma da Previdência perante a população.
A avaliação do Planalto é a de que o governo está perdendo o discurso de convencimento por ter deixado de lado até aqui estruturas tradicionais de publicidade, como TV e rádio.
Amorim, que estava no cargo, defendia uma solução caseira para a propaganda da reforma e era forte crítico de uso de agências de publicidade e aplicação de verbas públicas em meios tradicionais de comunicação.
Apesar de um início turbulento, integrantes da equipe do presidente dizem que ele tem convicção de que não cometeu nenhum grande equívoco, com a exceção da divulgação de um vídeo com imagens obscenas nas redes sociais.
Com a repercussão negativa, tanto na esquerda como na direita, do caso apelidado de "golden shower", ele se reuniu com auxiliares de confiança e reconheceu que exagerou, apagando a publicação.
A utilização exagerada das redes sociais colocou o Planalto em mais de uma saia-justa e incomoda a cúpula militar, que já recomendou moderação ao presidente. Ele, contudo, tem ignorado os conselhos e seguido as orientações do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), apelidado de "pitbull".
"O pitbull? Tá atrapalhando o quê? Não me atrapalhou em nada. Acho até que devia ter um cargo de ministro", disse o presidente, na segunda (8).
A influência dos filhos sobre Bolsonaro e assuntos do governo é criticada tanto dentro como fora do Planalto e apontada como um dos principais fatores de desgaste e de instabilidade nesses cem dias. Mesmo assim, Bolsonaro insiste em mantê-los por perto.
Envolvido na primeira crise política enfrentada pelo presidente no cargo, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) já foi recebido pelo pai em dez audiências. Em janeiro, relatório apontou movimentações financeiras atípicas dele.
Também presentes na agenda, Carlos faz recomendações na comunicação e Eduardo (deputado federal pelo PSL-SP) dá pitacos nas relações exteriores.
Na tentativa de melhorar sua imagem no exterior, o presidente realizou uma série de viagens internacionais, mas percorreu pouco o Brasil. Em três meses, desembarcou na Suíça, nos EUA, em Israel e no Chile; no país, esteve em São Paulo, Rio, Minas e Paraná, priorizando eventos militares.
A postura foi oposta à adotada antes até do início oficial da campanha eleitoral, quando viajava para várias cidades brasileiras e enchia saguões de aeroportos com apoiadores.
O isolamento do presidente também é institucional. Nos três primeiros meses, ele manteve certo distanciamento dos comandos do Judiciário e do Legislativo e protagonizou desentendimento público com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ainda não totalmente superado.
A sequência de desgastes afetou também sua popularidade. Divulgada no domingo (7), pesquisa Datafolha mostrou que Bolsonaro registra a pior avaliação após três meses entre os presidentes eleitos para um primeiro mandato desde a redemocratização de 1985.
Segundo o instituto, 30% dos brasileiros consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo, 32%, ótimo ou bom, e 33%, regular.
Criticado, Bolsonaro já começou a dar os primeiros sinais de cansaço com o cargo. Em Israel, fez desabafo público. "Eu também sou passageiro do Brasil, graças a Deus. Imagine ficar o tempo todo com esse abacaxi?", questionou.Fonte:Folha