Mataram a onça. Apareceram restos humanos na praia do vôlei. Na Baía da Guanabara, também. Sequestraram a sogra do Ecclestone. Equipe de televisão australiana escapa de assalto de travestis. Tentaram roubar a tocha.
Prostitutas reclamam de falta de movimento. Zika. Superbactéria. William e Kate não irão. Golfistas não irão. Russos não irão. Roger Federer não irá. Hope Solo não ia, mas voltou atrás. Apareceu em trajes de guerra biológica. Teve a história dos cangurus versus encanadores. E, caso alguém tenha esquecido, mataram a onça.
A sequência de notícias sobre a Olimpíada nas últimas semanas é tão negativa que a remadora americana Megan Kalmoe resolveu reclamar. “Recado a todos que estão obcecados pela m… na água: parem com isso. Parem de tentar estragar a Olimpíada para nós”, escreveu ela no Guardian.
Megan, que foi medalha de bronze em Londres, queixa-se que os meios de comunicação só falam em zika e na água contaminada por todos os conhecidos horrores, ignorando o empenho de bons e honestos brasileiros. E dispara: “Se for preciso dizer, digo logo de uma vez para encerrar esse assunto: eu vou remar na m… por vocês.”
Em princípio, enquanto não começam as competições, toda Olimpíada é precedida por reportagens negativas. Na China, era a poluição que envenenaria os atletas. Em Londres, uma grave falha no sistema de segurança.
Nos jogos de inverno de Sochi, o sistema de encanamento também entupia – depois se descobriu que o problema estava menos nos banheiros e muito mais nos laboratórios, onde os atletas russos escapavam de todos os exames de doping.
A encrenca com os russos, que – surpresa, surpresa – escaparam de um castigo coletivo no Rio, foi até agora a única coisa que impediu uma cobertura concentrada em zika, águas pútridas, instalações impróprias e criminalidade.
A mais devastadora reportagem sobre o “cozido tóxico” que espera os atletas de esportes aquáticos foi a de Andrew Jacobs, do New York Times. Devastadora, verdadeira e baseada em fatos e declarações de especialistas identificados. Não em “moradores de rua” e “porteiros” vagamente mencionados em outro artigo, do jornal mas nunca pelo nome – como se pobres não tivessem direito nem a identidade.
O truque do porteiro também aparece numa reportagem do Los Angeles Times. Correto ao identificar a falta de entusiasmo do público brasileiro em geral, o repórter se atrapalha ao publicar a análise estratégica de um escultor de areia e, claro, de um porteiro que não assistirá competições porque tem que trabalhar todo dia. Não seria essa uma regra válida para a população em geral?
As preferências políticas das publicações também influenciam na cobertura esportiva, evidentemente. Os jornais que tinham simpatia pelo governo da presidente afastada agora se sentem na obrigação de colocar todos os erros na conta do interino.
O prefeito Eduardo Paes também não conquistou simpatias com a piada do canguru para acalmar os atletas australianos. “Arrogante”, decretou o Daily Mail. Entre outras reportagens do tipo que nos deixam sem saber se é para rir ou chorar, o jornal já falou – e fotografou – com prostitutas da Vila Mimosa, desanimadas com a falta de movimento, e moradores dos bairros perto das vias de acesso onde volta e meia balas “perdidas” acham alvos inocentes.
Para os tablóides ingleses que cobrem muito celebridades também é frustrante que tantos famosos tenham decidido ficar bem longe do Rio por causa do medo da zika. O príncipe William e Kate, loucos por esportes, são as baixas mais lamentadas.
E sempre seguidas do comentário de que pretendem ter um terceiro filho e não querem se arriscar. Charlene, a sul-africana que foi nadadora olímpica antes de se casar com o príncipe Albert de Mônaco, também não vai.
Uma providencial lesão no joelho tirou Roger Federer da zica do Rio. Quem gosta de golfe, esporte que retornaria ao cenário olímpico depois de mais de um século, vai ficar sem Jason Day, Rory McIlroy e Vijay Singh – e não adianta dizer que golfistas e tenistas profissionais sem preocupam mais com dinheiro do que com olimpíadas. Greg Rutherford, do salto em distância, congelou esperma antes da viagem.
É claro que o tom da cobertura vai mudar assim que começarem as competições. Isso se nenhum jornalista resolver apurar a história da onça morta em Manaus depois da passagem da tocha olímpica. Para leitores estrangeiros, não existe nada mais espantoso do que as palavras “jaguar shot dead” relacionadas a olimpíada. Nem a remadora no mar de matéria fecal.Fonte:Veja