O ministro Henrique Meirelles, 72 anos, não costuma responder a perguntas sobre seu futuro político. Sempre que se vê metido no terreno movediço das especulações sobre uma possível candidatura presidencial, arruma uma forma de esquivar-se do assunto, lembrando que seu desafio na economia, enquanto titular da Fazenda, requer total atenção e dedicação no momento. Na última quarta-feira, 1, ele falou abertamente sobre os fatores que podem influenciar a decisão de disputar a eleição do ano que vem. “Na primeira vez que levantaram esse assunto, há alguns anos, eu disse que a Presidência era uma questão de oportunidade e destino. Olho com realismo as coisas. Eu acredito que o país vai, de fato, estar bem na situação econômica, mas existem condições políticas e condições eleitorais que precisam ser analisadas”, diz Meirelles. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o senhor lida com o fato de o mundo político considerá-lo peça fundamental no processo eleitoral de 2018? Vejo como um reconhecimento do trabalho que estou fazendo e dos resultados econômicos que estamos colhendo. Muitas vezes, as pessoas não falam de Presidência ou de candidatura, apenas agradecem pelo que estou fazendo pelo país e o impacto disso na vida deles. Dia desses, no aeroporto, um cidadão com um adolescente do lado me abordou e disse: ‘meu filho, esse é o homem que está te garantindo um futuro’. Isso acontece muito. A pessoa chega e agradece. Outro dia, um senhor falou: ‘olha, muito obrigado pelo que o senhor está fazendo, pelos sacrifícios pessoais’.
O senhor tem consciência de que é um presidenciável? Sim, sou presidenciável. As pessoas falam comigo, me procuram, mas ninguém me cobra uma definição. No mundo político, por exemplo, dizem o seguinte: o senhor tem o meu apoio, estou torcendo para isso. Tenho por característica pessoal ser bem pé no chão. Dificilmente vou fazer alguma coisa baseado no entusiasmo. Tenho consciência de que o importante agora é fazer meu trabalho aqui no Ministério da Fazenda. Fazer um trabalho sério e entregar resultados. O futuro é outra coisa. Vamos aguardar.
Pela lei, o senhor tem que decidir até março se troca o governo pela candidatura. Eu já vivi essa questão em 2010. Estava no Banco Central, e o presidente Lula me procurou várias vezes, porque queria que eu tentasse ser candidato a vice-presidente. Ele insistiu muito. A própria candidata Dilma gostou da ideia. Então, tive de tomar essa decisão e tomei literalmente no dia 31 de março. Procurei o presidente no Palácio da Alvorada e disse que preferia ficar no Banco Central e terminar o meu trabalho. Ele disse que lamentava, mas entendia. O fato de ter tomado a decisão no dia 31 de março é porque esperei o momento certo. Parei, pensei e decidi tranquilamente. Agora, terei que tomar uma decisão desse tipo novamente.
Sim, sou presidenciável. As pessoas falam comigo, me procuram, mas ninguém me cobra uma definição. No mundo político, por exemplo, dizem o seguinte: o senhor tem o meu apoio, estou torcendo para isso. Tenho por característica pessoal ser bem pé no chão. Dificilmente vou fazer alguma coisa baseado no entusiasmo.
Sobre a eleição para presidente em 2018
Ao que tudo indica, a sua decisão política sairá quando a melhora da economia estiver mais evidente. Acredito que dentro de três a seis meses vamos ter essa sensação de bem-estar na população. Demanda um certo tempo para criar esse clima de entusiasmo. A economia real está crescendo muito mais do que estamos vendo nos jornais. Como a recessão foi muito profunda e a retomada saiu de um ponto muito negativo, apesar de a economia ter começado a reagir de maneira muito forte, a impressão é de que a recuperação da economia é lenta. Mas não é lenta. É rápida.
O cenário é favorável para um candidato com o perfil do senhor? O campo é favorável, sim. Favorável para o que eu chamo de um candidato reformista no sentido de alguém que toque as reformas e a modernização da economia brasileira como está ocorrendo. Não há dúvida de que hoje essa posição reformista é importante.
Então o senhor será candidato a presidente? (Risos) Na primeira vez que levantaram esse assunto, há alguns anos, eu disse que a Presidência era uma questão de oportunidade e destino. Olho com realismo as coisas. Eu acredito que o país vai, de fato, estar bem na situação econômica, mas existem condições políticas e condições eleitorais que precisam ser analisadas. Eleição majoritária no Brasil não é uma questão tão simples.
Quando os deputados do seu partido anunciaram sua candidatura, em setembro, como o senhor reagiu? Esse assunto começou durante um almoço com a bancada da Câmara do PSD. O líder da bancada pediu que cada um falasse o que achasse conveniente, e os deputados começaram a se pronunciar. Eu estava esperando que viesse uma série de pedidos específicos de cada deputado na área econômica. Mas não foi isso. Todos manifestaram a ideia de que era o momento certo e que eu era o candidato, o homem certo no lugar certo, a pessoa de que o país está precisando. Fico muito honrado e gratificado pela manifestação dos deputados, porque isso é reconhecimento do que estou fazendo e de uma vida inteira de trabalho. Mas ouvi tudo aquilo e disse o seguinte: acho importante a opinião de todo mundo, mas não acho produtivo que isso seja transformado num ato de lançamento de candidatura. Vamos aguardar o momento adequado para tomar uma decisão.
O fato de o senhor ser pouco conhecido entre o eleitorado é um desafio? A lembrança que a população tem do candidato, que os marqueteiros chamam de recall, é importante. O fato de que algumas pessoas já disputaram ou têm, por alguma razão, alta exposição, torna a situação um pouco mais definida. Então, eu tenho que analisar tudo isso: a situação econômica, que é o ativo, as condições políticas do momento e a minha própria disposição. Afinal, ser candidato a presidente é uma decisão que tem grandes custos – e grandes benefícios – para todos, não só para mim. Vou ter que deixar o ministério e deixar o trabalho ainda por um período de decolagem da economia e entrar em um processo que é outra história. Agora, acho que essas situações vão se definir naturalmente não só na economia como na política. Não é só meramente uma decisão do tipo ‘eu vou porque eu quero’.
Tenho que analisar tudo isso: a situação econômica, que é o ativo, as condições políticas do momento e a minha própria disposição. Afinal, ser candidato a presidente é uma decisão que tem grandes custos – e grandes benefícios – para todos, não só para mim. Vou ter que deixar o ministério e deixar o trabalho ainda por um período de decolagem da economia e entrar em um processo que é outra história.
Sobre a oficialização da candidatura ao Planalto
Os seus colegas dizem que um dilema do senhor é decidir entre ser um ministro brilhante ou correr o risco de ser um candidato de poucos votos. Teme tomar a decisão errada? A vantagem de toda decisão é que você nunca sabe se foi certa ou errada. Não tenho essa preocupação de a candidatura não ir para frente. Acho que eleição você disputa para ganhar ou perder. É normal. O Lula tinha perdido três eleições antes de ganhar. Isso não foi demérito. O Geraldo Alckmin já perdeu também. E está aí empolgado para ser candidato.
Durante reunião da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na terça-feira, o senhor foi muito atacado por parlamentares do PT. Me senti como candidato. Vi a questão da candidatura no debate da Previdência, na questão da distribuição de renda e quando a Gleisi Hoffman (senadora e presidente nacional do PT) veio com a história do número de pobres, dizendo que eu não vejo o número de pobres nas ruas. Nesse ponto, percebi que esse será o tema da campanha. A campanha será pautada na política social. Estou preparado para enfrentar esse discurso populista do PT. Diria até que estou acostumado, pois já tive embates com o PT que eram exatamente iguais quando era presidente do Banco Central no governo Lula.
A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) disse para o senhor deixar o ar-condicionado e sair à rua. Isso é discurso populista. Eu disse aos senadores que a política social – a partir dos programas de complementação e distribuição de renda – é importante. Só que ela não vai resolver o problema social do Brasil. Aliás, em país nenhum do mundo resolve. O que resolve a questão social é a criação de emprego. Desemprego elevado, com 13 milhões de pessoas na rua, como o governo anterior deixou, não há política social que resolva. Então, acho que o tema da campanha vai ser por aí, independentemente de quem seja o candidato de centro ou o do PT.
Vi a questão da candidatura no debate da Previdência [no Senado], na questão da distribuição de renda e quando a Gleisi Hoffman veio com a história do número de pobres, dizendo que eu não vejo o número de pobres nas ruas. Nesse ponto, percebi que esse será o tema da campanha (…). Estou preparado para enfrentar esse discurso populista do PT. Diria até que estou acostumado, pois já tive embates com o PT que eram exatamente iguais quando era presidente do Banco Central no governo Lula.
Sobre críticas do PT a sua política econômica
No Senado, petistas também lembraram que o senhor recebeu mais de 200 milhões de reais em pagamentos no exterior antes de virar ministro. Esse negócio é mais ou menos como a música do Geraldo Vandré: “Para não dizer que não falei das flores”. Eles falaram disso apenas para constar que tocaram no tema. Respondi e respondo dando uma visão da minha carreira no setor privado. Dirigi uma instituição financeira no exterior e passei lá cerca de 30 anos. Montei uma empresa que prestou orientações a outras empresas, como um grande banco de investimento internacional e a maior empresa do mundo em investimentos de risco, visando a projetos específicos. Fui membro do conselho da bolsa de seguros de Londres, uma instituição centenária e altamente respeitável, e do conselho da Azul Transportes Aéreos. E também prestei consultoria ao Grupo J&F, que era proprietário do Banco Original. Resumo: uma atividade bastante diversificada e intensa no setor privado. Tudo isso é totalmente transparente.
O senhor se sente constrangido com o fato de a J&F ter recorrido a propina para comprar políticos e financiamentos públicos? Constrangimento, não. Eu fiquei sabendo pelos jornais do problema todo. Foi uma surpresa. Eles não me contavam isso. No meu contrato, estava dito claramente que eu não participava das operações do grupo. O meu escopo era orientar a criação da plataforma digital do Banco Original.
Como o senhor chegou ao Grupo J&F? Eu estava trabalhando num projeto para construir um banco digital. Até que um dia, uma pessoa me ligou e me convidou para almoçar Joesley Batista, Wesley Batista e o pai deles [José Batista Sobrinho]. Eles me perguntaram o que eu estava fazendo, eu falei do projeto e eles falaram que haviam comprado um banco, não sabiam o que fazer com ele e perguntaram se eu não gostaria de fazer um acordo para construir a plataforma digital do banco. Eu achava que se o projeto desse certo eu teria um determinado retorno. Foi o que acordei com eles. O projeto funcionou, deu certo, eles cumpriram a parte deles.
Constrangimento, não. Eu fiquei sabendo pelos jornais do problema todo. Foi uma surpresa. Eles não me contavam isso. No meu contrato, estava dito claramente que eu não participava das operações do grupo. O meu escopo era orientar a criação da plataforma digital do Banco Original.
Sobre sua relação com Joesley e Wesley Batista e o Grupo J&F
Por que escolher o Grupo J&F para tocar esse projeto do banco digital? Para bancar um projeto desse porte, do zero, precisava ser um grupo com muitos recursos. O custo de implantação passava de mais de 1 bilhão de reais. Era um projeto caro e, por isso, precisava ter um grupo com poder de fogo. Os bancos teriam condições de investir, mas eles têm projetos próprios
Os irmãos Batista pediram ao senhor algum tipo de orientação ou ajuda que não fosse relacionada ao Banco Original? Não. Você vê que não aparece nada na delação. É simples: não apareceu porque não tem nada para aparecer mesmo. Eu estava lá envolvido especificamente no projeto do banco.
Como o senhor vê as candidaturas de Lula e de Jair Bolsonaro? É um fenômeno natural. A candidatura do Lula não é uma novidade nos últimos 30 anos. O Lula é relevante há muito tempo e é legítima a posição dele. Trabalhamos juntos, discordamos um do outro muitas vezes, mas ele tem a posição dele e o eleitorado dele. É correto que exista essa posição no Brasil, que eu nem chamo de esquerda, chamo de trabalhista. E tem o Bolsonaro, que é o surgimento da direita no Brasil, que cedo ou tarde iria ocorrer. Mas tem um caráter surpreendente. O fato de surgir um candidato de direita é absolutamente previsível, todo pais tem, o que é surpreendente é que o Bolsonaro é um ex-militar que defende o regime militar.
O senhor já sabe como lidará, se for eleito presidente um dia, com a banda fisiológica do Congresso? Eu não posso avaliar como seria. Na minha posição hoje, tenho uma relação grande com o Congresso. Agora, por exemplo, há esses projetos de interesse da área econômica e a reforma da Previdência. Antes, havia a questão do teto de gastos e outros temas. Eu sempre mantive uma interação grande e estritamente técnica com o Congresso. Além disso, o Executivo no Brasil é muito forte e, na minha avaliação, não precisa recorrer a….
O senhor nunca teve de lidar com o fisiologismo? Aqui ninguém veio pedir nada. Quando eu estava no Banco Central, alguém me perguntou, no período do escândalo do mensalão, se os parlamentares faziam propostas dessa natureza e seu eu dizia não o tempo todo. Respondi que não tinha proposta nenhuma. Então, me perguntaram se eu não achava estranho que ninguém me abordasse com oferta dessa natureza. De fato, ninguém me procura. Concluí que é por causa da minha reputação. Já ouvi dizer que sou competente, técnico, sério, mas que sou um problema, porque, às vezes, quando há uma conversa mais animada, eu chego e o assunto morre.
O senhor se sente responsável pela vitória do presidente Michel Temer na Câmara? Eu me lembro que encontrei muitos parlamentares que diziam que votaram a favor do presidente para manter as reformas, manter a equipe econômica, porque o governo tem de continuar, o país está se recuperando. Isso foi relevante. Mas não digo que sou o responsável, porque isso é muito forte. Acho que certamente a melhora da economia foi muito importante.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com Michel Temer (PMDB): ‘economia foi fundamental’ para salvar o presidente (Adriano Machado/Reuters)
A economia salvou o mandato do presidente? Não há dúvida de que a economia foi fundamental, assim como não há dúvida de que todos os problemas do governo passado e a causa importante para o impeachment da Dilma foi a recessão que a política dela levou para o país. A recuperação da economia é importante em qualquer lugar do mundo. Existe a frase famosa do James Carville, marqueteiro do Bill Clinton: ‘It’s the economy, stupid – ‘É a economia, estúpido.
Eu me lembro que encontrei muitos parlamentares que diziam que votaram a favor do presidente para manter as reformas, manter a equipe econômica, porque o governo tem de continuar, o país está se recuperando. Isso foi relevante. Mas não digo que sou o responsável, porque isso é muito forte. Acho que certamente a melhora da economia foi muito importante
Sobre sua influência na vitória de Temer na Câmara
O presidente Lula insistiu para que a presidente Dilma trocasse o ministro da Fazenda. O nome do senhor surgiu. Se o senhor tivesse entrado, as coisas teriam sido diferentes? Isso dependeria muito de até que ponto eu teria condições de trabalhar com autonomia para fazer tudo que estamos fazendo agora. O presidente Lula insistiu várias vezes comigo. Quando discuti esse assunto com outras pessoas, disse claramente que só teria condições de aceitar ser ministro de Dilma se, de fato, pudesse fazer as reformas fundamentais. Assumir por assumir não era o caso.
E o senhor acabou não virando ministro. Nunca aceitei. Na última vez, já quando o [Joaquim] Levy estava saindo, eu recebi convite formal da Dilma. Chegamos a marcar uma reunião minha com ela, mas eu pedi para adiar. Aí tive uma reunião com o ministro Jaques Wagner, que veio com o convite formal em nome dela. Recusei porque achei que as condições já estavam muito difíceis para restaurar a confiança. Achei que já não era mais viável, naquela fase, porque a situação política já estava muito deteriorada e a percepção sobre a economia já estava muito deteriorada. Para funcionar, tinha que ser como nós fizemos agora. Entrar e restaurar a confiança. Você pega a curva de confiança, é impressionante. Ela vai caindo, caindo, caindo desde 2011. Aí a partir de maio do ano passado, quando assumimos, ela começa a subir e vai embora. A curva de confiança antecede a atividade econômica em seis meses.Fonte:VEJA