A ex-presidente Dilma Rousseff afirmou que “não há nada a comemorar” e só resta “rezar pelos mortos” neste 31 de março, dia em que o Golpe de 1964 completa 55 anos. A petista foi uma das presas e torturadas pelo regime militar, marcado pela dura repressão a seus opositores.
“Não há nada a comemorar neste dia. Só rezar pelos mortos e manter a certeza de que resistiremos ao autoritarismo para construir uma nação sem ódios, mágoas e perseguições”, disse Dilma em mensagem enviada para coluna Painel, do jornal Folha de S. Paulo.
Ainda segundo ela, que sofreu impeachment em 2016, o chamado do presidente Jair Bolsonaro para “comemorações devidas” da data denotam que o país vive “tempos sombrios”. “Os elogios descarados do presidente ao golpe mostram que estamos distantes da pacificação.”
Ela classificou o ano de 1964 como uma “ferida aberta na história do país”, Lamentou também que, “após incansável luta pela democracia”, o Brasil "tenha que assistir agora uma comemoração do golpe forjada pelo chefe de Estado.”
Dilma foi presa aos 22 anos, acusada de integrar uma organização que fazia luta armada contra o regime. Ela ficou encarcerada por mais de três anos e, nas poucas ocasiões em que falou sobre o assunto, relatou sessões brutais de tortura.
Em 2016, ao votar pela admissibilidade do processo de impeachment contra Dilma na Câmara dos Deputados, o então deputado federal Jair Bolsonaro dedicou o momento ao coronel Carlos Brilhante Ustra, um dos torturadores da ex-presidente.
“Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff! Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!”, disse na ocasião.
Morto em 2015, Ustra foi o primeiro militar condenado pela prática de tortura durante a ditadura. Ele chefiava o DOI-CODI de São Paulo, órgão de inteligência e repressão, durante o período em que a ex-presidente esteve presa lá. Dilma relata ter sido torturada no cárcere.
O ex-presidente também tem como marca a defesa do Golpe de 1964. Para ele, não houve ditadura no período em que os militares ficaram 20 anos no poder. Em entrevista dada à TV Band na última quarta-feira (27) ele voltou a negar a existência do regime e disse que, assim como um casamento, todo regime tem alguns "probleminhas".
"Temos de conhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma maravilha regime nenhum. Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um probleminha, é coisa rara um casal não ter um problema, tá certo?", afirmou.
Segundo a Comissão da Verdade, 434 opositores e 8.350 índios foram assassinadas no regime militar. Entre essas, 212 ainda estão desaparecidas. As famílias jamais encontraram os corpos
Veja abaixo a íntegra do texto de Dilma Rousseff:
"Os 55 anos do Golpe Militar no Brasil são, para todos nós que lutamos contra o arbítrio, pelas liberdades e pelos direitos humanos e sociais, uma triste lembrança.
1964 é uma ferida aberta na história política do país. São tempos que evocam prisão, tortura, morte e exílio. Tempos em que a ação do governo ditatorial levou ao fechamento do Congresso Nacional, ao cancelamento de eleições diretas para presidente, governador e prefeito, à cassação de ministros do STF. Instituíram a censura à imprensa e desencadearam a mais violenta repressão às greves de trabalhadores e às manifestações estudantis. A gente brasileira passou a falar de lado e olhar para o chão.
Passados 55 anos, mais uma vez estamos nos afastamos da democracia. E, hoje, infelizmente, o país não está pacificado. Longe disso. Depois do golpe de 2016, que me tirou da Presidência da República, vivemos novamente tempos sombrios de ódio e intolerância.
Para surpresa dos democratas comprometidos com a soberania nacional e os direitos sociais, para estarrecimento da imprensa, os elogios descarados do atual presidente da República ao golpe de 64 mostram que estamos distantes da pacificação sonhada.
Em 2012, na instalação da Comissão Nacional da Verdade, eu disse que a ignorância sobre a história não pacifica. Ao contrário, mantêm latentes mágoas e rancores. A desinformação não ajuda a apaziguar, apenas facilita o trânsito da intolerância.
É duro ver que após a incansável luta pela democracia, pagamos com dor e sacrifício para assistir agora uma comemoração forjada pelo chefe de Estado do golpe de 1964. Todos sabemos que brasileiros e brasileiras foram assassinadas pela ditadura e estão “desaparecidos” até hoje. Amigos e familiares guardam a dor da ausência de muitos de seus filhos e pais.
Não há nada a comemorar nesse dia. Só rezar pelos mortos e manter a certeza que iremos resistir ao autoritarismo para construir uma nação sem ódios, sem mágoas e sem perseguições. Cheia de cidadania, direitos sociais e humanos e soberania nacional.
Para isso, precisamos continuar a lutar por um Brasil mais solidário, mais justo e menos desigual.
Ditadura nunca mais!
Dilma Rousseff"