Ao fazer uma requisição administrativa de seringas e agulhas, alegando "iminente perigo público", o Ministério da Saúde apresentou aos fabricantes a necessidade de darem prioridade ao governo federal e até de cancelarem a entrega a outros clientes, como governos estaduais.
O ministério, neste caso, faria os repasses dos insumos que originalmente iriam a esses governos.
O comunicado sobre a retenção dos insumos, inclusive os que já foram comprados pelos estados, foi feito a representantes das indústrias em uma reunião na segunda-feira (4).
No começo da manhã desta quarta (6), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) escreveu em redes sociais que o Ministério da Saúde "suspendeu a compra" de seringas até que "os preços voltem à normalidade".
Mais tarde, o governo decidiu zerar o imposto de importação de seringas e agulhas. Além disso, foi suspensa a sobretaxa aplicada a importações de seringas descartáveis originárias da China.
Questionada pela reportagem, a pasta não explicou os efeitos da declaração do presidente sobre a requisição administrativa feita e sobre os novos pregões previstos para a compra de seringas e agulhas até a publicação deste texto. As licitações, segundo o próprio ministério, ocorreriam nas próximas semanas.
Os representantes das indústrias também foram pegos de surpresa com a declaração de Bolsonaro nesta quarta. No entanto, já foram informados pelo Ministério da Saúde, no começo da tarde, que a requisição administrativa segue valendo.
A referência do presidente seria a um pregão previsto para a próxima semana, segundo a informação repassada a esses representantes.
Para fazer a requisição, na qual se apropria de bens privados e remunera os donos posteriormente, o Ministério da Saúde diz ter se baseado na Constituição. O artigo 5º, ao tratar do direito à vida, em um inciso prevê que "a autoridade competente poderá usar de propriedade particular", em casos de "iminente perigo público".
Inicialmente, o ministério enviou um ofício aos representantes das três empresas que fabricam seringas no Brasil, comunicando a decisão de fazer a requisição e estabelecendo a próxima sexta (8) como prazo limite para o repasse de estoques.
Diante da impossibilidade de garantir esses insumos em prazo tão curto, a pasta chamou os representantes para uma conversa.
No encontro entre autoridades do ministério e representantes da indústria, em Brasília, ficou estabelecido que o prazo se estenderia até o dia 30. E que, caso necessário, deveria haver cancelamento de entregas a quem já selecionou fornecedores e já comprou as seringas e agulhas. De posse dos produtos, o ministério faria o repasse posteriormente.
As informações sobre os termos da requisição administrativa, apresentados na reunião no Ministério da Saúde, foram repassadas à reportagem por Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Abimo, a associação que representa as empresas que fabricam seringas e agulhas.
Fraccaro participou da reunião na segunda. São três as indústrias no país, e seus representantes também estavam no encontro.
Segundo a Abimo, o secretário-executivo do ministério, coronel Élcio Franco, participou da reunião, além de outros representantes do governo.
A reportagem questionou o Ministério da Saúde, na terça (5) e nesta quarta, sobre os termos da requisição administrativa, sobre eventual retenção de seringas compradas pelos estados e sobre mudança de planos diante da manifestação do presidente nas redes sociais. Não houve resposta.
"O governo deixou uma abertura para que as empresas entreguem o que elas têm. E que, se for necessário, cancelem pedidos de clientes, com o compromisso do governo de que entregará os volumes contratados", disse Fraccaro.
Segundo ele, a expectativa das indústrias é conseguir entregar 30 milhões de seringas ao Ministério da Saúde sem mexer nos pedidos dos clientes que já fecharam contratos.
Das três empresas que fabricam seringas e agulhas, duas participaram de pregões feitos pelo governo do estado de São Paulo e ganharam licitações. Fonte:Folha