O pré-candidato à Presidência Sergio Moro (Podemos) recebeu cerca de R$ 200 mil por um parecer de 54 páginas que emitiu em novembro de 2020 em resposta a uma consulta do empresário israelense Beny Steinmetz, pivô de um litígio internacional bilionário com a Vale. O trabalho, cuja conclusão foi contrária aos interesses da mineradora brasileira e favorável aos do israelense, veio a público dias após o ex-juiz federal encerrar a quarentena de seis meses que cumpriu devido à sua participação no governo Jair Bolsonaro, como ministro da Justiça.
Menos de um mês depois da emissão desse parecer, a empresa de consultoria Alvarez & Marsal, administradora judicial do processo de recuperação do Grupo Odebrecht, anunciou a contratação do ex-ministro como sócio-diretor para atuar na área de disputas e investigações.
Moro vem sendo pressionado a divulgar quanto recebeu da Alvarez & Marsal, já que a firma foi nomeada para administrar a recuperação judicial de empreiteiras alvos da Lava Jato, a operação que tem no ex-juiz federal o seu maior símbolo.
A remuneração é alvo de investigação no TCU (Tribunal de Contas da União) por suspeita de conflito de interesse. Moro disse que divulgará os valores nesta sexta-feira (28).
O parecer do ex-juiz para Beny Steinmetz insere-se em um caso em que a Vale tenta receber uma indenização bilionária devido ao fracasso da joint venture com o israelense para a exploração de uma das maiores minas de minério do mundo, a de Simandou, na República da Guiné, país da África Ocidental.
O documento escrito por Moro --em papel timbrado da Wolff Moro Sociedade de Advocacia, escritório dele em sociedade com a mulher, Rosângela Moro-- conclui que, em tese, executivos da Vale teriam prestado informações falsas e ocultado do mercado e de seus acionistas, de forma fraudulenta, as reais condições em que fechou o negócio com Beny.
Moro ressalva, entretanto, que as conclusões dependem de as investigações confirmarem os fatos apresentados pelo empresário na consulta e caso "não sejam apresentadas escusas idôneas pelos investigados".
A joint venture entre a Vale e a BSGR, a multinacional do bilionário empresário israelense, foi firmada em 2010 e encerrada em 2014 sem ter saído do papel, apesar de mineradora brasileira ter investido US$ 500 milhões à vista no negócio, por 51% da empresa.
O acerto entre as duas empresas começou a dar errado após Alpha Condé, que venceu as eleições presidenciais da Guiné meses depois do fechamento do negócio, ter mudado o código de mineração do país, praticamente inviabilizando a exploração.
Anos depois, Condé revogou os direitos minerários da nova empresa sob a alegação de indícios de pagamentos de suborno para a concessão das minas quando o país era governado por seu antecessor, Lansana Conté, um militar que deu um golpe de estado que durou 24 anos.
Com isso, a Vale ingressou no Tribunal de Arbitragem Internacional de Londres com um processo contra o antigo parceiro. Em 2019 o tribunal deu ganho de causa à mineradora brasileira, determinando pagamento à Vale de US$ 2 bilhões de dólares em indenizações, mas a execução da sentença ainda não foi efetivada.
Em janeiro do ano passado, a Justiça na Suíça condenou Beny Steinmetz a uma pena de cinco anos de prisão e multa de cerca de R$ 300 milhões por pagamento de propina para garantir o direito de explorar a mina de Simandou.
O empresário, porém, trava uma batalha judicial no Brasil e no exterior para tentar provar que a Vale sabia dos riscos e, inclusive, das suspeitas de corrupção envolvendo a concessão dada pelas antigas autoridades da Guiné. Por isso, não poderia exigir indenização agora.
Além da contratação de Moro, Beny também formalizou na mesma época uma consulta ao constitucionalista e professor Pedro Estevam Serrano --o parecer de Serrano também foi contrário à Vale, na linha de que, se as informações da consulta forem confirmadas nas investigações, a empreiteira brasileira pode ser enquadrada na Lei Anticorrupção.
Os pareceres de Moro e Serrano serviram para reforçar notícia-crime apresentada por Beny contra a Vale no Ministério Público Federal no Rio de Janeiro e na Promotoria do estado.
Em abril do ano passado, ou seja, cinco meses após o parecer do ex-juiz da Lava Jato, a Vale informou que o Ministério Público Federal havia decidido pelo arquivamento do caso. As investigações, porém, prosseguem no âmbito estadual.
Dois pontos principais foram apresentados por Beny para os pareceristas brasileiros, que foram instados a responder, entre outros pontos, ao questionamento sobre se a mineradora brasileira teria cometido fraudes e falsidade ideológica ao supostamente esconder do mercado e de seus acionistas as reais condições e as suspeitas envolvendo a operação na Guiné.
O primeiro se refere a emails trocados por ex-executivos da Vale que levantam a hipótese de que eles sabiam dos riscos do negócio e das suspeitas de corrupção antes de a joint ventures ser fechada. Esses emails foram entregues pela própria Vale no processo arbitral em Londres.
O segundo ponto foram gravações de conversas de ex-executivos da Vale feitas nos Estados Unidos e em Buenos Aires por agentes da empresa particular de espionagem Black Cube, que é comandada por ex-integrantes do Mossad, o serviço secreto de Israel.
Em reportagem publicada em dezembro de 2020, a revista Piauí contou em detalhes esses casos, entre eles o do ex-diretor da Vale José Carlos Martins, que foi gravado em um restaurante de Nova York afirmando que a Vale fechou negócio sobre Simandou mesmo desconfiando de irregularidade por parte de Beny Steinmetz.
Martins falava informalmente com uma pessoa que ele achava ser o executivo de uma empresa norte-americana interessada em seus serviços de consultoria para um um projeto de mineração no Peru --na verdade, era um agente da Black Cube.
Procurado por meio de sua assessoria, Moro não se manifestou até a publicação desta reportagem.
A Vale afirmou que "Benjamin Steinmetz tem criado versões falaciosas e feito afirmações inverídicas contra a Vale em relação ao caso de Simandou, em uma clara tentativa de inverter o papel de vítima e tentar se furtar de suas responsabilidades pela prática de ilícitos".
De acordo com a mineradora, a empresa jamais teve conhecimento prévio de prática de corrupção pelo empresário israelense para obter a concessão na Guiné e que os emails dos ex-executivos da Vale "relatam apenas boatos" que teriam sido dissipados "mediante a realização pela Vale, com apoio de escritórios de advocacia internacional especializados, de uma profunda due diligence anticorrupção".
"Acrescente-se que o próprio Benjamin Steinmetz apresentou à Vale uma declaração anticorrupção, assegurando a lisura na obtenção dos direitos minerários em questão", prossegue a empresa, ressaltando a decisões favorável a ela no Tribunal de Arbitragem Internacional de Londres e a condenação de Beny na Suíça.
A Vale diz confiar que as investigações em curso no Ministério Público
estadual do Rio também serão arquivadas, assim como ocorreu na esfera
federal.FONTE:Folha