A escritora e roteirista Tati Bernardi, 36, diz buscar com seu trabalho "este lugar do popular bom e inteligente". A tentativa mais recente é "Meu passado que condena", que nasceu como série de TV, virou filme – a continuação está em cartaz –, depois peça
Em entrevista ao G1, Tati reconhece que tem predileção por escrever sobre si mesma. E que a exposição rende críticas. Colunista do jornal "Folha de S. Paulo", lista os adjetivos que críticos já usaram: “misógina, machista”. Falam que a autora é "contra as mulheres e a sexualidade delas".
Os comentários negativos decorrem de frases como esta, publicada em junho: "Só acredito numa feminista que fique de quatro". Para ela, inclusive, certas feministas praticam "um politicamente correto tão intenso, que parece que querem jogar álcool gel na humanidade". "Acho mais ódio de homem – e, de repente, uma ojeriza a sexo – do que um movimento a favor das mulheres. E, entre essas mulheres, falta um pouco de humor."
Tati acha que era mais fácil escrever na época pré-redes sociais porque "a patrulha aumentou muito e isso com certeza é muito chato". "Principalmente porque essas pessoas estão com muito espaço. Quem não sabe escrever, critica, né?"
Também conta que "mais da metade do que existe hoje na internet em meu nome na verdade não é meu".
"Aquelas coisas fofinhas de 'olhei para as estrelas, pensei em você' – nada daquilo é meu. E é desesperador, porque tem texto muito ruim, frases muito breguinhas. Já aconteceu de eu não pegar um trabalho porque a pessoa deu um Google em mim e falou: 'Esta menina só escreve besteira'."
'Quem ri por último, Rivotril'
Tati explica a origem do livro inspirado em "Meu passado me condena": "Eu pensei: 'Por que não escrever um livro, aproveitar que é um case de sucesso?'". Não por acaso, Fábio Porchat e Miá Mello, protagonistas das histórias, estão na capa da edição.
Para ela, "a comédia sofre um preconceito aqui no Brasil, um país onde falam: 'Ah, fez sucesso, ganhou dinheiro?! Então é porcaria'".
Fã de Tina Fey e de Lena Dunham, da série "Girls", Tati cita "Os normais" como um bom exemplo, porque "faz sucesso entre intelectuais da USP e meus parentes no interior de São Paulo".
Tati Bernardi – Eu comecei a escrever muito para desopilar, sabe? Para pôr para fora tudo que eu estava sentindo, pensando. Na adolescência, muito novinha, escrevia muito pensando em mim, falando de mim... E me imaginava: “Quando eu for uma escritora mais velha, atingir uma maturidade, vou falar do vizinho, de outras pessoas...”. Mas, mesmo quando falo de outras pessoas, é do meu ponto de vista. Então, de qualquer maneira, quem escreve está sempre falando um pouco de si mesmo. Acredito que minha característica, quando é um texto mais autoral, é a 1ª pessoa, tirar sarro de mim mesma, mais autoirônico.
Às vezes, para fazer um texto de humor, e eu bato 90% mais em mim do que em qualquer pessoa, porque aí também é um jeito de eu me proteger. Mas o texto de humor passa por sacanear alguma coisa.
G1 – Um efeito de se expor é você ser malhada por gente que discorda. Como é isso para você?
Tati Bernardi – Às vezes eu entro numas crises, nuns cansaços, sabe? A exposição gera um cansaço. Mas faço muito o que gosto e cabe a mim aguentar o peso disso. Gosto de falar dos meus dilemas. Isso mais me salva do que me atrapalha, porque vomitei ali uma coisa que precisava, que estava dentro de mim. E consegui olhar isso com humor. Faço isso muito mais por uma necessidade de me salvar do que de aparecer.
G1 – Você já se arrependeu de algo que escreveu?
Tati Bernardi – Não me arrependo de ter escrito. Mas, por causa da polêmica gerada, passo a olhar para aquela minha opinião de uma maneira diferente. Amadureço a partir do texto, mas não me arrependo de ter publicado.
G1 – Lembra de algum exemplo?
Tati Bernardi – Dois textos meus geraram uma grande polêmica na “Folha”. Talvez eu pudesse ter me protegido mais, dito de uma forma ou mais doce ou menos irônica. Tem um texto que gerou grande polêmica. Eu tirava um pouco de sarro das pessoas que expõem demais, um oversharing do parto humanizado: coloca foto da placenta, duma banheira cheia de sangue no meio da sala. E eu falando: “Gente, menos, essas fotos são de mau gosto”. Fui supermal interpretada. As pessoas achavam que eu era contra o parto humanizado, começaram a mandar e-mail.
E não era nada disso. Talvez a maneira como escrevi poderia ter deixado mais claro que não tinha nenhum problema com o parto humanizado. As pessoas não entendem ironia, um grande número de pessoas não lida com ironia. Acho que precisa de uma certa inteligência para entender. Não abri mão da ironia, do sarcasmo, mas passei a me proteger para não dar uma dupla interpretação. Não que esse xingamento vá mudar meu dia. Mas me deprime por cinco minutos.
G1 – Em outro texto, mais recente, você escreveu: 'Só acredito numa feminista que fique de quatro'.
Tati Bernardi – Mas eu tomei muito cuidado. Abria com um parágrafo gigante falando o quanto respeito o movimento feminista, que me considero uma feminista. O que cabe é um pouco de humor na hora de a gente sacanear alguns exageros. Algumas mulheres que se dizem feministas – e é um politicamente tão intenso... Parece que elas querem jogar álcool gel na humanidade. Então, o homem não pode mais falar “peguei a mulher”, “comi a mulher”. Começa um exagero, que acho mais ódio de homem – e, de repente, uma ojeriza a sexo – do que um movimento a favor das mulheres. E, entre essas mulheres, falta um pouco de humor.
Sim, as mulheres ainda sofrem muito, mas na hora de trazer para uma coisa sexual, não dá para ter isso, essa postura, sabe? Tem de ter um espaço para fetiche. De repente, o fetiche do dia é ser a menininha daquele cara, é levar um tapa, ficar de quatro. O feminismo não tem que se meter nisso. Isso é entre quatro paredes. Quando vai para esse lugar, se torna uma coisa meio boba.
G1 – E você já brincou que gostaria de empurrar uma mulher que, obrigatoriamente, usa salto alto. Isso já rendeu problema?
Tati Bernardi – Este é um texto muito antigo, já nem gosto muito dele. Eu falava que não entendo a mulher que acorda às 5h da manhã para fazer escova, por um salto gigante, se maquiar inteira... E ela precisa estar sempre sexy. Não tenho nada contra essa mulher. Era um texto engraçado, falando “não entendo”. Sou mais do trabalhar em casa, de moletom, ficar confortável.
De novo, não entenderam. Falaram: “Ah, você é misógina, é contra a mulher, contra a sexualidade da mulher”. Não. Eu acho lindo aquela mulher. Inclusive, sou até seduzida por ela. Se estou num lugar, e entra uma mulher dessa, que é um furacão, uma máquina, extremamente feminina, aquilo mexe comigo. Adoraria ser feminina a este ponto. Mas acho que tem muito livro para ler, muito seriado para conhecer, muitos lugares para viajar, para perder tanto tempo pensando que tipo de calça na está moda.Fonte:G1